«para que servem os poetas nestes tempos de aflição?», perguntava hölderlin. não é seguro afirmar se esta frase foi escrita antes ou depois de o poeta ter mergulhado numa loucura mansa, de que nunca mais saiu. em termos mais prosaicos, dostoievski perguntou um dia: «o que é mais importante para um miserável: um quadro de rafael ou um par de botas?». para que servimos nós, os que produzimos objectos que propomos à fruição do público, os ‘artistas’, nestes tempos de angústia e de descrença?
vem isto a propósito de uma ‘petição em defesa do direito à cultura’ que circula na net, na qual vários signatários, depois de proclamarem o «papel nuclear das artes na sociedade» e de declararem que «a cultura é um sector estratégico e estruturante para o país», exigem da ministra uma série de medidas e respostas que, no fundo, pretendem apenas repor o status quo em matéria de financiamento das artes do espectáculo e do cinema português.
em resumo, ainda que anunciem para maio de 2011 um documento com sugestões e propostas para «uma nova regulamentação do sistema de apoios às artes», os autores da petição limitam-se a «não aceitar» os cortes no orçamento do ministério da cultura e a «exigir» a «manutenção do sistema de concursos públicos como formato de apoio estatal às artes». passando sobre o facto de que expressões como «não aceitamos» e «exigimos» são meras proclamações retóricas, esta petição é uma oportunidade perdida para os artistas tentarem, por um lado, interrogar-se sobre o seu papel na sociedade – hoje – e sobre o que deve ser o papel do estado no apoio às suas actividades; e, por outro lado, face ao colapso das instituições democráticas e às ameaças ao modelo social europeu, o que eu esperava desta tomada de posição era uma atitude política dos ‘artistas’ relativamente à demissão do estado face às imposições de um mercado global e desregulado, à falência da justiça social e à perda de perspectivas da maioria da população.
ao mesmo tempo, circula também na net uma ‘petição para uma nova economia’, em que os subscritores, além de identificarem a origem dos problemas que estamos a viver, adiantam propostas concretas para a preservação dos modelos sociais e o relançamento da economia na zona euro, que passam pelo decidido saneamento financeiro e pela regulação dos mercados, por uma maior solidariedade, pela coordenação eficaz das políticas económicas na união europeia e pela adopção corajosa de novas estratégias de desenvolvimento que relancem a economia e recuperem a confiança dos cidadãos nas suas instituições.
é fácil de perceber que eu não assinei a primeira petição e assinei a segunda, e que gostaria de ver os meus colegas juntarem-se aos que pretendem ainda bater-se por um mundo mais justo e mais próspero, em que os artistas tenham um papel activo e valham tanto, pelo menos, como o par de botas de que falava o autor do crime e castigo.
