se há coisa que nunca me canso de fazer na vida é de namorar. há pessoas que nasceram para construir impérios e outras que nasceram para isto: enviar sms com corações, ir ao cinema de mão dada, oferecer cartões com ursos a dizer ‘gosto de ti’ em 53 idiomas, dar beijos furtivos no parque de estacionamento, organizar fins-de-semana românticos, dormir em concha, enfim, seguir a preceito os códigos ditados pelo amor no chamado estado de graça, quando tudo é belo e perfeito, ainda que nem sempre o seja.
será que isto não passa com os anos? será que a maturidade não arrasta consigo uma descrença crónica que nos faz olhar para o amor de outra maneira? talvez não. acredito que podemos acumular maior pragmatismo no que toca às questões amorosas sem perder o élan. o que se aprende com a idade é descobrir as diferenças entre a atracção, o interesse, o entusiasmo, o encantamento, a paixão, o amor, o desejo, o sentimento de posse, o orgulho ferido e o sentimento de perda.
edepois, no amor vivido, aquele que é consumado e consumido no dia-a-dia, aprendem-se outras coisas, como a paciência, a tolerância, a resistência ao efeito erosivo da rotina, a capacidade de evitar conflitos ou a força para enfrentar o outro quando estes são inevitáveis, a intuição de ler no outro o que ele não nos diz e a capacidade de o aceitar como ele é, com os seus defeitos, as suas manias e as suas parvoíces. é no terreno da convivência diária que tudo se joga. para os mais bélicos, a vida pode transformar-se num campo de batalha. para os mais calmos, a existência a dois pode ser uma agradável viagem num paquete de recreio, como aqueles do tempo da minha avó, nos quais as meninas solteiras e encalhadas embarcavam, escoltadas por tia viúva, com o intuito de arranjar um noivo.
omais importante é não perder a frescura, esse embalo mágico que empresta a uma vida a dois uma aura de bem-estar e de encantamento. ter a capacidade de olhar para quem está ao nosso lado e reconhecer as suas qualidades, valorizá-las sempre, em vez de cair na terrível tentação de exaltar a imperfeições. o verbo ‘aceitar’ deve estar a par com o verbo ‘pacientar’, que em português correcto não é assim conjugado, mas que expressa na perfeição o que quero dizer. não perder o élan é também não perder a coragem de acreditar na nossa capacidade de amar o outro e de, através desse amor, sermos sempre pessoas melhores. o efeito redentor do amor, tão fundamental para a boa literatura, é ainda mais indispensável na vida real: quando amamos alguém, queremos dar o nosso melhor. e quando damos o nosso melhor, de forma consciente e sem exageros, estamos a incentivar o outro a fazer o mesmo.
eo que fazer com os que fingem saber dar e que usam tal manobra de ilusionismo para receber o mais que podem, que esticam a corda e nos deixam pendurados, que prometem e não cumprem, que usam a dúvida para nos empatar os dias e a noites? o melhor é aplicar a regra do pano da loiça encharcado na cara, chutá-los para canto, explicando-lhes que não têm lugar na nossa vida, mas sem nunca perder a graça, a leveza e o élan.