Regresso ao passado

É difícil explicar a uma criança, e não só, que há uns anos se demorava metade do tempo a percorrer a distância entre a Europa e os EUA.

por ano morrem, seguramente, muitos milhares de pessoas nas estradas que percorrem os diferentes países. tirando alguma tragédia que envolva um número significativo de vítimas mortais, nenhum dos acidentes merece referência global. quando muito, é notícia de abertura nos jornais mais sensacionalistas e merece uma nota de rodapé nas televisões. mas se estiver em causa um avião, por mais pequeno que seja, o acontecimento já colhe a atenção de uma parte significativa dos órgãos de comunicação de vários países.

por uma coincidência que não será tão coincidente, na época festiva do natal ouve-se falar muito de avarias ou acidentes de aviação. o facto é normal, se atendermos a que é nesta época que há mais aviões no ar. mas se no final do ano fizermos as contas entre as pessoas que perderam a vida nas estradas e aquelas que morreram no ar, a diferença é abissal, já que o avião é notoriamente um dos meios de transporte mais seguros. mas ao ver as notícias sobre a avaria do aparelho da taag que foi obrigado a regressar a lisboa, quarenta minutos depois de ter levantado voo, não consegui ficar indiferente, apesar de tudo não ter passado de um enorme susto.

é que no final da semana farei a viagem de regresso a lisboa e a notícia criou-me uma sensação estranha. os aviões, apesar da banalização das viagens, despertam uma curiosidade anormal. levantam voo e olhamos o mundo de cima para baixo. os acidentes são levados tão a sério que um deles contribuiu para o maior retrocesso de sempre na história da aviação civil. falo do acidente que envolveu o concorde que descolou de paris há uma década. incendiou-se quando levantava voo, provocando a morte a 113 pessoas.

apesar de o construtor não ter tido qualquer responsabilidade no mesmo, nem tão pouco o comandante, a verdade é que o avião supersónico ficou com os dias contados. e, dessa forma, a viagem entre paris e nova iorque, que antes se fazia em três horas e quarenta, voltou às quase oito, mesmo no avião mais evoluído do momento. uma reportagem que passou há uns anos mostrava um ex-piloto dos concordes a confessar que teria muita dificuldade em explicar aos netos que no seu tempo se levava muito menos tempo a atravessar o atlântico.

o céu transporta-nos para o domínio da fé, algo que os não crentes têm alguma dificuldade em entender. mas o que até os que não crêem no progresso têm dificuldade em entender é o fim do concorde. poucas são as pessoas do mundo dito civilizado que aceitariam uma vida sem e-mails e telefones. regressar ao tempo das cartas como meio de comunicação parece impossível. mas os aviões fizeram essa viagem com a morte do concorde.

vitor.rainho@sol.pt