Papel de Seda

Seda é um livro que nos faz acreditar que o amor não tem forma nem cor e se tece dia a dia, transparente e quase igual a quase nada, como um frágil e belo fio de seda.

tenho uma paixão infinita por pequenos livros. seda de alessandro baricco é um livro sobre a impossibilidade do amor para que o amor se possa concretizar. mas é também um livro sobre a tristeza do amor não correspondido, sobre o poder do silêncio, e do qual o amor platónico sai invencível.

a novela conta a história de hervé joncour, um viajante levado pelas circunstâncias para o outro lado do mundo em busca dos bichos de seda e da sua alma. e como a sua alma estava cada vez mais longe, o destino obrigou-o a ir até ao fim do mundo para a resgatar.

é um livro que nos faz acreditar que nem o tempo nem a distância matam o que é eterno. e que o amor não tem forma nem cor e se tece dia a dia, transparente e quase igual a quase nada, como um frágil e belo fio de seda.

mas, como nenhum destino se cumpre nem está completo sem um toque de ironia, hervé descobre finalmente a essência do amor, quando a mulher que sempre esperou por ele lhe revela que sempre soube que ele amava outra, um pouco à maneira do célebre fado, não venhas tarde.

parece ser uma característica muito mais comum nas mulheres, esta capacidade de aceitar que há outra, talvez porque em matéria de direitos estes só há pouco começaram a ser defendidos, talvez por tal característica seja vista nas mulheres como uma virtude que revela grandeza, enquanto que nos homens, o corno é sempre um corno, e se for manso, ainda pior. no entanto, o amor feito de paixão, o tal fogo que arde sem se ver, não admite intrusos; é típico da paixão não ser nem tolerante, nem racional, nem sequer democrática. e mesmo quando esta se transforma em amor, o principio da física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, prevalece para bem estar do casal.

mas este princípio só se aplica aos amores felizes. nunca mais esqueci uma conversa que ouvi quando era miúda numa praça de província entre duas peixeiras enquanto a mãe escolhia um pargo para assar: desabafava a peixeira a para a peixeira b: «eu até não me importo que ele durma com outra, assim ando menos castigada». de facto, quando uma relação se torna num castigo, não há amor que a salve, até porque já nem sequer há amor.

voltando ao livro que serviu de mote para esta crónica, vale pela beleza das suas descrições, pela cadência da sua linguagem, mas sobretudo por ser um relato tranquilo e apaixonante sobre a condição humana e se revelar uma grande lição sobre o amor. na obra de um grande escritor há sempre um livro que resulta de alguma forma como um tratado sobre o amor. seda é um desses livros e alexis de marguerite yourcenar é outro, tal como de profundis de wilde. são livros inesquecíveis, que nos fazem ter saudades de viver uma grande paixão e nos forram o coração a papel de seda.