portugal poderia ser o exemplo escolhido para um manual de política económica dedicado ao tema: como fazer tudo (ou quase tudo) ao contrário do que deveria ser feito. provavelmente, também seria um bom exemplo para um manual de ciência política ou ainda para outro de sociologia subordinado à mesma temática geral.
não me proporciona qualquer satisfação constatar que há muito que, em companhia de alguns outros economistas, historiadores, politólogos ou mesmo pragmáticos com sentido do interesse geral (recordo, em particular, pedro ferraz da costa), tenho vindo a avisar para as consequências dos erros de sucessivos governos, de boa parte da nossa elite económica e financeira e, de facto, da maioria esmagadora dos meus concidadãos.
durante 20 anos fizemos tudo ao contrário na ilusão de que já éramos ricos (fomo-nos sentindo ricos, vivendo sempre acima das nossas posses, todos os anos desde 1994): engordámos a função pública (a partir da súbita e extrema generosidade do ano de 1991), tornámo-nos um país de proprietários endividados (aceleradamente, após 1992), fomos criando um sistema de pensões insustentável e particularmente injusto para as gerações mais novas (desde os anos 80 e apesar da correcção de 2006, perdida a oportunidade de regeneração em 1997), incentivando muita gente em idade produtiva à madraça e à acomodação (após 1997), criando a ilusão de que basta um diploma qualquer para se ser útil e capaz de realizar com competência uma profissão (após 2005), ou enchendo o país de infra-estruturas subutilizadas ou simplesmente inúteis, promovidas por políticos incompetentes para gáudio de populações embrutecidas e de empreiteiros gananciosos. infelizmente, esta é apenas uma brevíssima resenha do nosso desvario colectivo.
as consequências deste caminho haveriam sempre de chegar. antes da crise financeira de 2008, sempre pensei que, perante o beneplácito de credores distraídos e a inoperância da supervisão multilateral reinante na zona euro nos primeiros anos da moeda única, portugal seria confrontado com a impossibilidade deste seu caminho aí por 2013 ou 2014. nunca depois. a crise financeira a que se seguiu uma crise da economia real nas economias desenvolvidas e, função dos remédios seguidos, uma crise das dívidas soberanas, veio acelerar o epílogo deste caminho desgraçado.
o país vive, nas vésperas do embate final com o concreto, ou seja, com a impossibilidade de financiamento externo (que já não é autónomo desde, pelo menos 2009, não o esqueçamos) num momento de verdadeiro estupor colectivo. o primeiro-ministro faz um discurso de natal tão desfasado da realidade que não merece sequer comentário ou reacção sob pena de se baixar irrecuperavelmente o nível do debate. os portugueses, na sua maioria, comportam-se como se tudo se mantivesse na mesma (com excepção da metade de milhão que constitui o primeiro contingente de baixas do regime) e vão lamuriando contra a maldade do governo que lhes corta salários ou benesses mesmo quando convencidos que qualquer alternativa verdadeira lhes cortará salários e benesses.
os opinadores, em regra tão capazes quanto os políticos que regularmente fustigam, dedicam as suas excelsas inteligências a coisas tão extraordinárias como a validade dos famosos testes de pisa ou pura e simplesmente dizem mal de quase tudo e de quase todos. propostas concretas, caminhos a seguir, em suma, o que fazer, nada…nicles. os autarcas dão entrevistas lamentando que falta dinheiro para as suas obras (que têm, em boa medida, servido a função social que o circo servia na velha roma) e, finalmente, os aparelhos partidários preparam-se para defender ou tomar o poder como se o seu exercício futuro fosse, em 2011 e nos anos que se lhe seguirão, algo de semelhante ao que tem sido.
perante tudo isto, não me restam dúvidas de que 2011 não só será colectivamente um ano muito mau, como, provavelmente, mais difícil do que se imagina. à dificuldade económica, à impossibilidade financeira, ao deslaçar das estruturas sociais acresce algo de consequências imprevisíveis e que afectará a maioria dos portugueses: o difícil acordar do estupor em que têm vivido para o pesadelo em que todos já entrámos, só alguns sentimos e poucos ainda percebemos.
