Das duas uma

Não é por acaso que Virgílio Teixeira foi o companheiro ideal dos melhores filmes das vedetas Amália Rodrigues e Milu.

não estava em portugal quando morreu virgílio teixeira, faz hoje exactamente um mês. quando voltei, o país já o tinha esquecido. a verdade é que só dei por isso há poucos dias, quando vi o seu nome numa recensão dos desaparecidos de 2010.

conheci-o há cinco anos, quando fui entrevistá-lo ao funchal para um documentário sobre milu. apesar da idade, mantinha o olhar e o sorriso, a presença e o charme que tinham feito dele um ‘galã’. falámos horas seguidas dos filmes que fez com ela e da sua carreira em espanha, onde, nos anos 60, chegou a participar nalgumas superproduções americanas, assinadas por nomes prestigiosos como robert rossen, david lean, king vidor e antho-ny mann, na fase em que samuel bronston instalou os seus estúdios nos arredores da capital espanhola, fazendo de madrid, antes de roma, o centro de atracção de muitas das vedetas de hollywood, com quem ele contracenou e conviveu.

virgílio teixeira foi um dos vários actores portugueses que fez a sua carreira dos dois lados da fronteira; entre o final da ii guerra e os anos 60, milu, antónio vilar, helga liné, isabel de castro foram adoptados pelos espanhóis, e se não atingiram o estatuto das grandes vedetas foi porque estávamos em países com regimes autoritários, onde não havia liberdade e cujo cinema, também por isso, não adquiriu projecção internacional. mas houve ciclicamente tentativas de criar um mercado ibérico, o que parecia ser a vocação natural entre dois países vizinhos e irmãos. cabe aos historiadores encontrar as trágicas razões por que isso não foi possível e por que, apesar da proximidade geográfica e cultural, as duas cinematografias continuam de costas viradas. mas há uma seguramente que foi decisiva para impedir a circulação dos filmes e a popularização das vedetas entre os dois países: o facto de, por razões políticas, salazar ter proibido a dobragem (antónio ferro convenceu-o que, desse modo, o nosso povo, analfabeto, se precipitaria para ver os filmes portugueses, que lhe levariam a mensagem do estado novo) e franco, pelo contrário, ter obrigado a dobrar todos os filmes estrangeiros (porque queria impor o castelhano em todas a espanha e abafar, assim, os nacionalismos).

virgílio teixeira tinha todas as qualidades dos actores mais populares da sua época – gary cooper e tyrone power, jean gabin e gérard philipe, raf vallone e massimo girotti –, que eram adulados pelas plateias: charme, presença, masculinidade e um enorme métier. não é por acaso que, em portugal, ele foi o companheiro ideal dos melhores filmes das duas únicas vedetas que o cinema português produziu: amália e milu. em fado (1948) e dois dias no paraíso (1957), a sua presença ajuda uma e outra a revelarem o esplendor da sua sensualidade. que portugal o tenha esquecido, como esqueceu milu, é o triste sinal de muitas coisas. mas uma ressalta: o desprezo a que foi votada a melhor tradição do nosso cinema popular.

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