o cenário parecia improvável até há pouco tempo, mas está a ganhar consistência: portugal e outros países da periferia europeia podem vir a não pagar parte das dívidas ao exterior. em portugal, os quatro leilões de dívida já realizados este ano, num total de 2,5 mil milhões de euros, aumentaram em 220 milhões os encargos futuros com juros. a espiral de endividamento intensifica-se e o país teria de crescer mais de 4% ao ano, em termos nominais, para conseguir cumprir todos os compromissos financeiros. é um cenário distante da realidade.
as contas são lineares, como confirma cristina casalinho, economista-chefe do bpi: «se a economia cresce menos do que a taxa de juros que paga, não tem capacidade de gerar meios para satisfazer a dívida». em 2011, a dívida pública deverá atingir 158 mil milhões de euros e o estado terá de pagar 6,326 mil milhões de euros em juros, o que corresponde a uma taxa de juro implícita de 4%. para que seja sustentável, o pib nominal teria de crescer acima desse valor. mas esse cenário não deverá verificar-se: cristina casalinho aponta para um crescimento nominal de 0,85% este ano (inflação de 2,4% e pib real a cair 1,5%), e nos últimos dez anos portugal só conseguiu crescer 3,5% ao ano em termos nominais.
as duas emissões de bilhetes do tesouro, esta semana, mostraram uma realidade preocupante, a prazo. portugal pagou juros de 4,03% a um ano e de 3,69% a seis meses, tendo tido procura acima da oferta e até uma sensação de alívio. mas há um ano pagaria juros de 0,93% e de 0,59%, nas mesmas operações. se a comparação incluir as duas séries de obrigações feitas na semana passada, os encargos futuros com juros passam, no total, de 328 milhões de euros para 547 milhões.
filipe silva, gestor de mercado de dívida do banco carregosa, manifesta preocupação com o avolumar dos juros. «há uma renovação constante da dívida e isso não é sustentável. a grécia fez isso até ao dia em que deixaram de lhe emprestar», alerta.
no limite do fmi
é difícil de antecipar até quando será possível suportar o aumento da dívida, mas é certo que, à medida que esta sobe, os mercados também impõem juros mais altos. e recorrer ao fmi e ao feef – fundo europeu de estabilização financeira fica mais perto. «poderá ser interessante recorrer ao feef a partir do momento em que o estado não consegue encontrar procura para a sua dívida, ou quando a taxa de juro exigida pelos investidores for superior à do programa de apoio do feef, tendo sempre em conta os custos associados a esse empréstimo, para além da taxa de juro», explica cristina casalinho.
ainda não é o caso, mas portugal está no fio da navalha. grécia e irlanda já tinham a dívida a dez anos acima de 9% quando pediram ajuda; portugal está nos 7%.
a batalha do financiamento
as consequências de níveis insustentáveis de endividamento são «iguais às de uma empresa», diz casalinho: os credores deixam de emprestar. nesse momento, explica, ou há activos para reembolsar a dívida ou é necessário negociar novas condições: alongar o prazo de pagamento, descida da taxa de juro, perdão parcial da dívida. e é exactamente para aqui que a europa se encaminha. o que geralmente se designa de reestruturação acaba por ser um eufemismo para deixar de pagar aos credores a totalidade da dívida. segundo o jornal alemão die zeit, angela merkel estaria a considerar esta possibilidade relativamente à grécia. o prémio nobel da economia, paul krugman, escreveu esta semana que uma das soluções para a crise europeia era essa: «é difícil de ver como a grécia pode evitar uma reestruturação da dívida, e a irlanda não está muito melhor. a questão é saber se estas reestruturações vão alastrar à espanha, à bélgica e à itália». com portugal no caminho, bem entendido.
esta solução não seria completamente nova. foi seguida na crise da argentina, em 2002, depois de uma intervenção mal sucedida do fmi. em portugal, na crise financeira de 1891, o país deixou de pagar a totalidade dos juros ao credores externos. no entanto, diz filipe silva, isto implicaria mais dificuldades para angariar investidores.