comemorando 30 anos de projecções diárias, a cinemateca portuguesa decidiu organizar uma série de debates sobre ‘o que é programar uma cinemateca hoje?’. depois de ter feito o luto do seu mais recente director, joão bénard da costa, que deixou uma marca forte mas controversa na sua orientação, os novos responsáveis – maria joão seixas e josé manuel costa – acharam por bem questionar o que deve ser, hoje, o seu papel.
entendamo-mos: uma cinemateca é, antes de mais, um museu onde se deve conservar e divulgar o património cinematográfico nacional. hoje, em qualquer país civilizado, as cinematecas são instituições consagradas, tal como os museus e as bibliotecas, as óperas e os teatros nacionais.
mas a verdade é que, durante muito tempo, nenhum país pensou seriamente em salvaguardar o património físico dos seus filmes. foi preciso um visionário chamado henri langlois ter a ideia de propor ao estado francês, a seguir à ii guerra, a criação de uma cinemateca para se salvar a memória do cinema. graças a ele salvaram–se milhares de cópias de filmes, não apenas franceses, mas do mundo inteiro, nomeadamente o que são hoje os clássicos do cinema americano, cuja preservação as majors nunca se deram ao trabalho de assegurar.
a primeira conclusão é que hoje cada cinemateca deve, por isso, tratar antes de mais do seu património. a segunda tarefa é dá-lo a conhecer, ou seja, exibi-lo. mas não devemos perder de vista que, enquanto houver um filme nacional em risco, a prioridade da afectação dos recursos deve ser a sua preservação. e se relativamente ao passado se pode admitir que se deva dar prioridade aos realizadores consagrados (hoje ninguém discute a importância de john ford, fritz lang, renoir ou rossellini), relativamente ao presente uma cinemateca não pode fazer discriminações assentes no gosto dos seus responsáveis.
outra questão que se põe é a de saber se é legítimo, hoje, impor limites à arte das ‘imagens em movimento’: deverá haver discriminação de suportes (só película ou também digital?), de géneros (o documentário ou o desenho animado devem ser preservados?) e de formatos (a produção de tv deve ser incluída? e onde termina a fronteira: nas séries, nos telefilmes ou nas telenovelas?)?. e, para além das obras, como se determina o material a salvar: apenas os filmes (e os produtos audiovisuais) ou também as várias versões dos scripts, making-of, cenas cortadas, material promocional (trailers, cartazes, entrevistas)? enfim, que destino dar a esse material? deve a cinemateca esperar que os historiadores se encarreguem de o estudar, editar e fazer circular, através de livros, dvd e documentários, ou deve tomar a iniciativa de editar e produzir?
só depois vem a questão da programação, que se tornou, em portugal, a face mais visível do trabalho da cinemateca. até por isso, é um tema importante, a que voltaremos para a semana.
apvasconcelos@gmail.com
