Despacho dos submarinos deixa Pinto Monteiro em xeque

A decisão do procurador-geral da República de instaurar inquéritos disciplinares às duas magistradas que lideraram a investigação do caso dos submarinos e à directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida, foi posta em xeque no despacho de pronúncia desse processo, proferido esta semana pelo juiz de instrução Carlos Alexandre.

pinto monteiro anunciou a abertura do procedimento disciplinar depois da defesa dos arguidos no caso ter divulgado a existência de uma relação pessoal entre a magistrada auxiliar no processo e o presidente da empresa que forneceu os peritos à investigação, a inteli. isto para verificar se essa relação prejudicara o trabalho do ministério público (mp) e se fora violado algum dever profissional por parte da magistrada, como alegaram os advogados.

porém, no despacho de pronúncia – que confirma na totalidade os termos da acusação mp contra os três arguidos alemães da man ferrostaal e os sete empresários portugueses –, carlos alexandre escreveu que «as relações pessoais mantidas entre peritos e investigadores não constituem fundamento de recusa, e por si só, quando desacompanhados de qualquer manifestação, ainda que aparente, de interesse no resultado da causa, são insusceptíveis de gerar qualquer motivo de desconfiança».

pressão sobre o mp

o pgr, aliás, não esperou sequer pelo fim da instrução do processo dos submarinos para avançar com os procedimentos disciplinares contra as duas procuradoras e contra cândida almeida. isto apesar de saber que a questão que esteve na origem desses inquéritos foi alvo de vários recursos interpostos pelos advogados de defesa e de um parecer jurídico feito pelo professor universitário paulo pinto de albuquerque – e, por isso, seria necessariamente abordada pelo juiz de instrução.

pinto monteiro confiou, pelos vistos, que o juiz de instrução acabaria por concluir do mesmo modo que os advogados de defesa, e avançou com a abertura dos processos disciplinares. o despacho de carlos alexandre acabou, no entanto, por transformar-se no melhor instrumento de defesa das magistradas.

fontes do ministério público consideram, aliás, que este processo disciplinar é só o culminar de uma estratégia que visou pressionar e descredibilizar a investigação do dciap a este caso – que prossegue ainda, no inquérito à existência de indícios de corrupção na aquisição dos submarinos.

estas pressões, dizem as mesmas fontes, terão começado a sentir-se nas tentativas de intimidação por parte de alguns dos visados no processo, quando souberam da investigação; e ganhou contornos mediáticos com a divulgação da relação entre a magistrada carla dias e o presidente da inteli, josé rui felizardo.

mas não só. no despacho de pronúncia, o juiz de instrução acaba por revelar ter sido, ele próprio, alvo de pressões por parte da defesa: «não podemos deixar de significar a nossa incredulidade perante a contundência das alegações do debate», começa por dizer, explicando: «o jic signatário tem perfeita noção das consequências que para si poderão advir do que acaba de escrever nestes autos». e mais à frente, ainda diz: «o signatário «não pensa as decisões que toma com a barriga», como, com a acutilante expressão, lhe foi pessoalmente invectivado no debate instrutório pela defesa ora mencionada».
finalmente, conclui sem hesitações: «estou pronto então para beber a cicuta que me foi assinalada, se for essa a decisão de quem pode – confiado que ainda quero estar na vigência do ordenamento jurídico da república portuguesa, que erigiu como norma estarmos num estado de direito».

perícia já não pode ser anulada

a decisão de carlos alexandre era, afinal, fundamental para determinar a validade da prova-chave deste processo: o relatório dos peritos nomeados pelo dciap por indicação da inteli.

desde que foi conhecida a acusação contra os dez arguidos – por burla ao estado, de 34 milhões de euros, no contrato das contrapartidas à aquisição dos submarinos –, a estratégia da defesa foi apontar baterias a este relatório pericial.

entre todos as críticas feitas aos peritos, à empresa e ao relatório, os advogados dos arguidos questionaram ainda o facto de a inteli não poder ser imparcial no trabalho para o mp por ter colaborado com alguns dos arguidos e com a comissão das contrapartidas – argumento que também não colheu junto do juiz de instrução.

de facto, a decisão de carlos alexandre valida de forma definitiva a perícia incluída na acusação, pelo que ela não poderá voltar a ser questionada pelos arguidos nas próximas fases do processo.

com a pronuncia decidida esta semana, será a primeira vez que responsáveis da empresa alemã man ferrostaal (uma das maiores empresas daquele país) se vão sentar no banco dos réus. isto apesar de a ferrostaal estar a ser investigada em vários países, incluindo a alemanha, por negócios semelhantes ao que realizou em portugal.

graca.rosendo@sol.pt