os homens ficam mesmo diferentes quando se apaixonam. dois dos meus melhores amigos apaixonaram-se recentemente, cada um pela sua princesa, e de repente tenho à minha frente duas criaturas estranhas, diferentes, quase desconhecidas.
nos anos que antecederam este ataque simultâneo de paixão, tanto um como outro coleccionavam casos com mulheres como quem compra camisolas na zara – uma de cada cor, se o modelo for o certo e a qualidade razoável – pois na verdade pouco diferiam entre elas. umas eram mais altas, outras mais vivaças e outras mais interessantes fisicamente, mas no fundo todas lhes inspiravam o mesmo sentimento confuso e completamente masculino do ‘eu-até-quero-mas-vamos-com-calma’. passa pelo facto de os homens terem vontade de dormir com uma mulher, mas quase nunca se imaginarem a acordar ao lado dela.
estes dois conquistadores simpatizavam com as mulheres que iam conhecendo, algumas vezes chegaram mesmo a pensar que com uma ou com outra a coisa até podia evoluir para uma situação mais séria, mas depois, como seria de esperar, isso nunca acontecia porque se desinteressavam naturalmente ou aparecia uma novidade e lá iam eles atrás do novo, que é sempre irresistível. viveram os dois neste estado durante alguns anos, o que me levou a esquecer-me de que eram feitos da mesma massa de que são feitas todas as outras pessoas e que um dia poderiam voltar a apaixonar-se. tinham imenso tempo para me levar a almoçar e ao cinema. eu era a amiga cúmplice das suas tropelias, das quais me ria, demonstrando, confesso, pouca solidariedade feminina para com as mulheres que se iam cruzando no seu caminho.
e eis que o impensável aconteceu: no espaço de uma semana ambos foram atingidos pela seta do cupido de forma repentina, implacável e letal. agora parecem dois adolescentes emparvecidos, embebidos com o licor da paixão, bêbedos de êxtase e de alegria. e é vê-los a porem posts de músicas românticas no facebook, a escreverem belas frases de amor, a citarem poetas e a derreterem-se todos, qual bola de gelado em cima de um radiador. é ao mesmo tempo patético e notável. patético, porque todos os homens se fragilizam quando se apaixonam; notável, porque eu pensava que daquelas almas egoístas e daqueles corações empedernidos não mais brotaria a flor mágica do amor, e eis que a vejo desabrochar com toda a sua beleza e esplendor. de repente voltaram ao 10.º ano. vivem em suspenso pela sua amada, suspiram quando falam dela, o tom de voz suaviza-se e infantiliza-se, reviram os olhos, dormem mal e já emagreceram.
mas a verdade é que há muito tempo que não os via tão felizes e é ainda mais verdade que invejo o estado parvíssimo de levitação amorosa em que os sinto envoltos, como se de uma nuvem de perfeição e de felicidade se tratasse. é claro que qualquer dia o encanto se quebra e como escreveu o grande poeta kaváfis «não se entra duas vezes na mesma nuvem», mas enquanto esta durar, é vê-los doces, afáveis, adoráveis e felizes como pássaros em período de acasalamento. o que me faz pensar que os homens só têm dois estados: ou andam a varrer tudo o que podem ou estão apaixonados. e os mais sortudos são os que se conseguem apaixonar.