os erros das duas últimas décadas conduziram-nos a um caminho inviável, compreendido por muitos e hoje sentido por quase todos. como sempre, alguns responsáveis insistem em não admitir o falhanço do modelo que acarinharam e outros persistem na defesa do indefensável.
a realidade está aí e dispensa o debate com os novos autistas: uma década de estagnação e as dificuldades que se avolumaram após 2009 tornaram óbvia e imperiosa a necessidade de levar a cabo alterações profundas no padrão de especialização da economia. só assim se poderá obviar à insustentabilidade dos actuais níveis de endividamento externo do país. a acumulação concomitante de uma dívida bruta ao exterior de quase 3 vezes o pib e de uma dívida pública consolidada que excede largamente a riqueza criada pelo país em cada ano, exige que urgentemente se inicie um novo ciclo para a economia portuguesa.
sem ele, as nossas responsabilidades perante o exterior não poderão, pura e simplesmente, ser respeitadas. a globalização e a dificuldade política de reformar o estado e a economia sem o analgésico da inflação colocam hoje a urgência do início de verdadeiras reformas e de uma gestão mais rigorosa do dinheiro dos contribuintes. a viabilidade da economia portuguesa depende da resolução a curto prazo da actual trajectória insustentável da despesa pública, alterando de forma radical um caminho com já muitos anos. a alternativa à reforma do estado, que passa por continuar a aumentar impostos e a esconder despesa actual, só agravará o problema futuro. as dificuldades no acesso ao crédito externo impõem que se caminhe na solução deste problema.
o facto de o país apenas se financiar por via de mecanismos de colateralização junto do banco central europeu, por natureza temporários, garante que a escolha já é apenas entre agir agora ou causar a insolvência do estado e da economia a breve trecho. é por isso que não vale a pena iludir os portugueses: mais impostos como contrapartida pela manutenção do bem-estar dos agentes do estado é não só inviável como catastrófico.
até o actual governo percebeu (ou foi forçado a perceber) que o caminho é único e passa pelo emagrecimento do estado não pela oneração dos que mais produzem. mas este não é, de facto, o principal problema português. a questão mais dificilmente ultrapassável reside no desenvolvimento de um modelo de crescimento assente na canalização de recursos para o sector de bens transaccionáveis que travem e idealmente invertam a acumulação de um défice externo crescente.
a acumulação de um défice externo muito elevado durante um número significativo de anos levou a uma acumulação muitíssimo significativa de responsabilidades brutas do país face ao exterior, tanto das famílias como das empresas e do estado. neste contexto, o caminho é estreito mas muito claro: portugal tem de ser muito mais competitivo nos sectores de bens transaccionáveis, a despeito de a sua estrutura produtiva ser essencialmente concorrente da dos novos países industrializados.
por outro lado, e adicionalmente, os agentes privados e o estado têm de poupar mais e este tem de diminuir o seu peso na economia de forma muito relevante. só com a reforma do estado e do contrato social em vigor, a liberalização dos mercados de factores e de bens finais, uma melhor e mais eficaz regulação e o fim dos investimentos em capital físico não reprodutível portugal pode ser viável. quanto mais cedo o interiorizarmos e pusermos em prática, maiores as hipóteses de podermos ainda ir a tempo de construir um futuro para portugal.
e esse futuro passa pelo sucesso das nossas empresas nos mercados internacionais, pela sua consolidação enquanto produtores alternativos às importações e pela exploração de dois recursos fundamentais, não devidamente valorizados: o mar português e a localização de portugal, entre a europa, as américas e áfrica. só tenho pena que, mesmo entre os que admitem que este é o caminho, por vezes se sintam tentados a enunciar um regresso ao passado. não porque ignorem a inevitabilidade da tarefa, mas porque presumem que os portugueses não estão ainda dispostos a aceitá-la e a abraçá-la. talvez tenham razão… mas também é certo que não temos alternativa senão persistir no início de um novo ciclo.
