Receita electrónica já é negócio

Os consultórios e clínicas privadas que queiram continuar a prescrever aos seus doentes medicamentos comparticipados pelo Estado, vão ter de adquirir um programa informático próprio que o Ministério da Saúde tem disponível para esse efeito.

essa compra, no entanto, não é feita directamente ao estado: a administração central dos serviços de saúde (acss), que tutela este sector no ministério, certificou já 12 empresas de informática e estas é que vão, a partir de agora, comercializar o software exigido para a prescrição electrónica de medicamentos.

desde há mais de um mês que muitos consultórios médicos privados estavam a ser contactados por empresas de informática, por causa da nova forma de receitar medicamentos. propunham contratos que podiam variar entre os 150 e os 300 euros por mês, pelo menos, em troca do fornecimento do software necessário à prescrição electrónica e respectivo serviço de manutenção.

a decisão do governo de tornar obrigatória a receita médica electrónica, a partir de março, acabou assim por criar um novo negócio. que, no entanto, apanhou desprevenidos muitos médicos com pequenos consultórios ou clínicas de média dimensão. «sempre pensei que, sendo obrigatória esta forma de prescrição, o ministério da saúde iria fornecer-nos gratuitamente o respectivo software», lamenta o responsável por uma clínica em lisboa, contactado pelo sol.

segundo a acss, o programa informático em causa só é distribuído dentro do serviço nacional de saúde (sns), a hospitais, centros de saúde e unidades de saúde familiar. conforme confirmou ao sol, «existem várias empresas que têm o software de prescrição electrónica de medicamentos, certificado pela acss, e que podem ser adquiridos pelos prestadores privados».

os planos do governo prevêem, pois, que a partir de março só serão comparticipados os medicamentos prescritos por receita electrónica – ou seja, em receitas impressas por computador.

para isso, é preciso que cada médico tenha, no seu computador, um programa informático que o ligue ao prontuário terapêutico (a lista de todos os medicamentos disponíveis e respectivos preços e códigos) e que lhe dê acesso à informação que permita integrar na receita os códigos de barras relativos ao médico, à instituição e ao utente.

em muitos hospitais do sns, esta é uma prática regular há já algum tempo. mas nos centros de saúde e, sobretudo, na maioria dos serviços de saúde privados ainda não.

receita manuscrita vai desaparecer

na prática, as receitas manuscritas acabarão por desaparecer – por não terem direito a comparticipação do estado. mas, por outro lado, vão ficar mais difíceis também as receitas passadas fora do contexto de uma consulta ou da prestação de um serviço médico propriamente dito. isto porque o programa informático estará ligado directamente aos serviços do ministério da saúde que controlam a prescrição médica e os consumos de medicamentos. os médicos sabem, pois, que estão sob vigilância mais apertada.

a implementação da prescrição electrónica, de qualquer modo, continua a levantar muitas dúvidas. os riscos de fraude, por exemplo, são elevados – podem ser superiores até aos da receita médica manuscrita –, enquanto não se definir de que forma será inserida a assinatura electrónica do médico.

por enquanto, basta a introdução do chamado ‘número mecanográfico’ do clínico, para este aceder ao programa e passar a receita electrónica. este sistema, no entanto, é considerado muito vulnerável pelos médicos (é de fácil acesso e cópia nos computadores dos hospitais, por exemplo).

a ordem dos médicos chegou a defender a assinatura electrónica do médico associada a um chip – inserido na carteira profissional, por exemplo, ou no cartão de funcionário do sns –, precisamente como meio de garantir maior segurança.

aliás, a assinatura electrónica médica é igualmente necessária para implementar o registo online das certidões de óbito, uma ferramenta que a direcção-geral de saúde anunciou que estaria disponível no início deste ano. na altura, o director-geral, francisco george, explicou que, «no momento em que a certidão fica online – o que só será possível após todos os campos estarem correctamente preenchidos –, o serviço de saúde passa a ter conhecimento imediato da morte e poderá analisar as suas causas, mesmo antes de a justiça ter acesso aos dados».

graca.rosendo@sol.pt