sempre que os primeiros raios de sol mais quentes começam a despontar depois de um inverno frio, rigoroso e cheio e chuva, dá-me um ataque de romantismo: desato a ler dostoievsky, a ouvir dean martin e só me apetece apanhar o avião para paris ou roma e passar os dias a passear de mão dada, as tardes numa esplanada a beber cappuccinos ou a lamber gelados e as noites a namorar.
o grande problema é que, para fazer isso tudo, é mesmo preciso um namorado, ou, quanto muito, um candidato a tal, ou ainda, para quem goste da modalidade, um ex querido e simpático. o que não é boa ideia é fazer isso com um amigo com intenções românticas ou vice-versa; um amigo é um amigo, uma aventura é uma aventura, um marido é um marido e, quanto a isto, não há volta a dar. portanto, em caso de apanhar o avião com alguém, convém saber quem é esse alguém na nossa vida e que espaço ocupa no nosso coração. em caso de dúvida, mais vale ir com uma amiga despachada, cosmopolita, poliglota e com notável sentido de orientação.
o dia de s. valentim, mais uma invenção norte-americana que veio para ficar tal como a fast food e os ténis nike, não passa, afinal, de um pretexto para: 1. uma pessoa se sentir compelida a gastar dinheiro num presente parvo e inútil para a sua cara metade; 2. uma pessoa ter de organizar um jantar romântico dentro ou fora de casa, que inclua menu afrodisíaco, uma rosa e um passeio ao luar; 3. uma pessoa se sentir obrigada a, nessa noite em particular, fazer o amor, segundo a expressão utilizada por uma dessas minhas amigas com quem é óptimo viajar porque, sendo hospedeira, conhece o globo quase todo de trás para a frente.
o amor com hora marcada pode ser uma coisa muito maçadora, a não ser que uma pessoa tropece inesperadamente num pedaço de mau caminho que, de repente, lhe segrede ao ouvido: «daqui a meia hora em minha casa». se for programado para um determinado dia, qual reunião de trabalho, perde logo 90% do élan: lá se vai a espontaneidade toda, que é um dos condimentos que mais sal – e pimenta – trazem ao acto amoroso.
o amor imagina-se mas não se programa, deseja-se mas não se pede, sonha-se mas não se exige. ou seja, o amor acontece e quando acontece é quase sempre quando não estamos à espera. aquela velha máxima que diz ‘quem espera sempre alcança’ não se aplica nem ao pagamento de impostos nem ao amor. no primeiro caso, esperar é a pior opção e, no segundo, também não garante o sucesso desejado. mais vale desejar o melhor sem esperar nada e, sobretudo, não ficar à espera quando aquele estupendo que prometeu convidar-nos para jantar um dia destes, afinal, não tinha gravado o nosso número de telemóvel no telemóvel dele. os homens são muito claros – querem ou não querem. e quando querem é logo dali «a meia hora, na minha casa ou na tua».
uma queca adiada é uma queca não dada: há um momento certo para tudo na vida, o chamado timing e por isso o melhor é rezar para que os dois timings se acertem, ainda que não seja no dia de s. valentim, o tal dia mais parvo do ano, durante o qual temos de fingir que estar apaixonado é bestial. o amor acontece sempre, é só uma questão de fé e de tempo. e felizmente o ano tem mais 364 dias.