Líder dos patrões diz-se de centro-esquerda

António Saraiva, presidente da CIP, lamenta que «os empresários sejam vistos como piratas» e defende maior flexibilidade no mercado laboral. E recorda ao SOL que já fez greves e teve salários em atraso.

o acordo social assinado em 2003 na autoeuropa, que permitiu a manutenção dos postos de trabalho da fábrica numa altura de redução de encomendas, costuma ser apontado como um marco nas relações laborais em portugal. mas antónio saraiva faz uma precisão histórica: o primeiro acordo do género assinado no país ocorreu na lisnave, há três décadas, quando o actual presidente da cip estava à frente da comissão de trabalhadores (ct) dos estaleiros navais.

viviam-se os tempos agitados do pós-25 de abril e a lisnave era uma «proveta política por excelência», recorda antónio saraiva. os estaleiros tinham 10 mil trabalhadores e nove mil eram filiados na cgtp. os restantes estavam ligados à ugt – facção a que antónio saraiva pertencia – e a ct era controlada pela central sindical mais próxima dos comunistas. as greves eram constantes. «cheguei a fazer algumas. mesmo que não quiséssemos aderir, não podíamos entrar nos estaleiros. os piquetes de greve ‘aconselhavam-nos’».

as perturbações na produção tiveram consequências. «os armadores punham lá os navios e não sabiam quando podiam ir buscá-los. começaram a abandonar a lisnave e deixámos de ter trabalho». a situação financeira da empresa agrava-se e o encerramento está no horizonte, com salários em atraso. é nesta fase, em 1983, que antónio saraiva, em conjunto com elisa damião, mais tarde dirigente do ps, se candidata à ct pela ugt. como programa eleitoral tem uma proposta: estabelecer um acordo entre administração e trabalhadores. estes teriam de comprometer-se a não fazerem greves e, em contrapartida, o estaleiro pagaria os ordenados em atraso, em dois anos, e aumentaria os salários em 25% (a inflação da altura era desta ordem de grandeza).

os plenários para discussão da proposta não foram fáceis. «a cgtp ainda hoje reage mal a acordos com comissões de trabalhadores, imagine-se na altura». a sede da ugt na lisnave foi vandalizada várias vezes e os confrontos ideológicos entre trabalhadores chegavam a vias de facto. «nunca fui atacado fisicamente. mas houve muitas cuspidelas e insultos».

depois de várias tentativas, antónio saraiva consegue eleger a maioria da ct, em 1984. fica à frente desta estrutura e consegue fazer aprovar o acordo, aceite à última hora também pela cgtp. dois anos depois, os trabalhadores tinham os salários pagos e o aumento de 25%. e os tempos agitados da lisnave deixaram marcas. «se me posicionar em termos políticos, sinto-me de centro-esquerda. ainda hoje».

joao.madeira@sol.pt