Moções de direita ‘não terão apoio do BE’

Anunciado o chumbo da moção de censura do BE, o líder parlamentar do partido fecha a porta à viabilização de idêntica iniciativa à direita. Nem com um texto minimalista: «Não seremos complacentes com uma moção de disfarce».

a moção do be vai ser chumbada. serviu para quê?

uma moção serve para derrubar o governo e, a suportar esse propósito, tem um conjunto de críticas políticas. nesta moção, dissemos, de forma muito clara, que queriamos contribuir para a paragem das políticas deste governo, que têm conduzido o país para uma catástrofe económica e social.

 

não parece que o be quisesse derrubar o governo…

derrubar um governo sem lhe alterar as políticas é pouco sério. não queremos derrubar o governo porque ele nos aborrece, mas porque põe em prática políticas que repudiamos por completo. mas não podemos apresentar uma moção que, por razões de mero cálculo táctico, esqueça quem são os responsáveis – todos _– por essas mesmas políticas.

 

se o be inclui o psd nas críticas é óbvio que a moção não passa.

nós partimos da noção de que ps e psd se têm unido na base destas políticas – os programas de estabilidade e crescimento e o orçamento de estado. o psd, ao dizer ‘nós não votaremos a moção porque ainda é tempo de o ps governar’ está a dizer que também ainda é tempo de o psd ser co-responsável. esta moção já teve o mérito de trazer à tona quem está com quem.

 

uma moção é dirigida ao governo, não aos partidos da oposição.

não é a primeira vez que uma moção é apresentada desta forma: a última que foi discutida no parlamento [do pcp] foi assumidamente contra o ps e o psd. não sei por que é que toda a gente está agora muito nervosa porque o bloco também chama o psd à responsabilidade. somos acusados de tacticismo, de malabarismo táctico: tacticismo seria ignorar que o psd é co-responsável. isto é o essencial: não queremos derrubar um governo para que as suas políticas – ou políticas ainda mais extremistas do ponto de vista liberal – tenham triunfo.

 

pelo que dizem as sondagens, à queda do governo seguir-se-ia uma vitória do psd.

cada um assume as suas responsabilidades. constatámos sem surpresa que os partidos da direita, sem verem o texto da moção, vieram de imediato dizer que ainda é tempo de o ps governar. a direita fez saber que só não deita abaixo o governo para que ele arda em lume brando. isso é que é calculismo político. o calculismo está do lado da direita.

 

disse que a direita cairia no ridículo se aprovasse a moção. a partir daí, não podia esperar que votassem a favor.

a direita deu-nos razão: diante desse repto, preferiu não se cobrir de ridículo e dar-nos razão. qualquer força política podia dizer ‘a vossa análise é errada, nós não somos responsáveis’. mas o que a direita veio dizer foi que, se votasse uma moção que a critica, se cobriria de ridículo. deu razão aos nossos pressupostos.

 

o que mudou em poucos dias que explique as declarações tão divergentes do be sobre uma moção de censura?

rigorosamente nada. o que dissemos foi que colocar a hipótese de uma moção não teria utilidade prática. o be agendou uma moção de censura para o primeiro dia em que as consequências político-constitucionais podem ser plenas.

 

palavras suas: «não nos colocamos na posição de facilitar a vida à direita», uma moção nesta altura «não teria efeitos práticos».

exacto. nós não apresentamos uma moção para estender a passadeira à política do psd e do cds. a nossa moção é clara, desde o primeiro momento, no seu alcance crítico.

 

repito: uma moção de censura não se dirige à oposição, mas ao governo.

estamos a apresentar uma moção ao governo real do país. o ps tem formalmente a titularidade, mas quem governa é uma coligação entre o ps e o psd. no que diz respeito à nossa responsabilidade fizemos o que tínhamos a fazer. e somos coerentes: não abriremos a via política para a direita.

 

isso quer dizer o quê em relação a futuras moções da direita?

quer dizer que todas as moções que critiquem o governo pela direita e que abram, como alternativa, uma política de extremismo e radicalismo liberal não terão o apoio do be.

 

quer dizer que o be não votará uma moção do psd ou do cds.

naturalmente, se o psd e o cds forem tão limpos do ponto de vista político como o be será com esta moção, apresentarão os propósitos políticos a que vêm. e serão julgados por isso. e nós fazemos um contraste total com o psd e o cds.

 

o cds já falou numa moção de censura de uma linha. o que é que o be fará perante isso?

exigimos a todos os partidos a mesma seriedade com que procedemos. a pior coisa que se pode fazer em termos de transparência é construir um texto que não seja claro nos propósitos e razões da censura. nós sabemos o que a direita quer. não seremos complacentes com uma moção de disfarce. uma moção assim não é séria, não merece ser votada.

 

mas assim este governo não cairá com uma moção: direita e esquerda nunca se entenderão quanto aos pressupostos.

podemos ser acusados de tudo. agora, por favor, somos o único partido que já disse que vai apresentar uma moção de censura, não nos venham dizer que somos nós que queremos manter o governo. o psd e o cds é que correram para ver quem chegava primeiro a dar a mão ao engenheiro sócrates.

 

se mantiver essa dicotomia o governo não cairá.

mas claro que mantenho. o be não se equivoca de adversário e de inimigo.

 

e isso não cria um balão de oxigénio para o primeiro-ministro?

um primeiro-ministro do ps que se apresenta, a partir de agora, dizendo que os seus apoios são o psd e o cds bem pode falar de balão de oxigénio – é um oxigénio muito rarefeito. agora sabemos mais claramente que nunca que os apoios deste governo são a direita política e económica.

 

não votando o be uma moção da direita, pode ser o pcp a fazê-lo. nesse caso, o be ficará isolado.

não confundiremos nunca uma moção que critique o governo pela direita com uma que critique o governo pela esquerda. e agiremos em conformidade.

 

a mesa nacional do be já conta duas demissões.

como meus camaradas, lamento. mas o be procedeu de uma maneira irrepreensível em termos estatutários.

 

esta moção é «um disparate» que revela «impreparação táctica, calculismo inconsequente, falta de solidez estratégica». isto não veio da oposição, quem o disse foi daniel oliveira.

é um militante do be que tenho como camarada e amigo. não concordo com essas opiniões. mas todas devem ser escutadas com atenção, devem fazer reflectir, porque ninguém é infalível em política.

 

admite que esta moção possa ter sido um erro político do be?

não. se entendesse que era um erro político, tê-lo-ia dito com toda a liberdade.

 

susete.francisco@sol.pt