Polícias com medo

É fácil recordar cargas policiais completamente desproporcionadas, agora assistir à fuga da Polícia a meia dúzia de adeptos é que não é comum.

durante muitos anos, o antigo pavilhão do dramático de cascais foi uma espécie de santuário do rock. foi lá que assisti a míticos concertos, como o dos clash, por exemplo, e não era raro termos de correr à frente do corpo de intervenção que, respondendo a uma boca ou a um copo voador, desatava a distribuir pancada a torto e a direito. recordo-me de uma vez em que os fugitivos entraram na igreja mais próxima, mas os polícias pouco queriam saber de protecção divina. nos estádios de futebol também assisti aos excessos de uma polícia de choque que não olhava a quem batia quando eram soltos. os devaneios foram tantos que as denúncias na comunicação social acabaram por ‘acalmar’ as intervenções da dita polícia. salvo erro, num concerto dos the tubes, no também antigo pavilhão de alvalade, não morreram pessoas esmagadas por muito pouco. na véspera, uma carga policial sem qualquer nexo no estádio da luz, quando o benfica festejava o título frente ao vitória de setúbal, abriu o telejornal (só havia um), e o corpo de intervenção decidiu que o melhor seria seguir outro caminho. por isso, no tal concerto dos the tubes não fizeram nada e não procuraram estabelecer a ordem no caos provocado pelos espectadores.

muitos anos depois, as televisões têm mostrado as imagens dos povos do médio oriente que se manifestam contra os governos vigentes e se revelam, de certa forma, indiferentes às cargas policiais. a violência e a resistência às polícias tornaram-se corriqueiras. esta semana, em portugal, tive oportunidade de assistir a algo que pensei ser impensável. num estádio de futebol, o do sporting, a polícia invadiu as bancadas para pôr alguma ordem numa das claques leoninas. qual não foi o meu espanto quando as mesmas imagens mostram os polícias a retirarem-se apressadamente ao serem atingidos com paus, bandeiras, cadeiras e o que mais havia à mão dos adeptos. as claques que dão, sem dúvida, um colorido diferente aos estádios, em portugal e noutros países, são grupos de arruaceiros que agridem os adeptos adversários e, pelo que ficámos a saber, também a polícia.

os sócios que correram com os agentes recuarão no futuro quando a polícia aparecer por estarem a agredir selvaticamente os adeptos? não me parece. se um corpo, supostamente treinado para situações de risco, tem de fugir à frente de meia dúzia de rufias, o que será quando uma multidão enfurecida decidir começar a partir montras, carros e tudo o que aparecer à frente? será preciso chamar o exército? a banalização da violência tem destas coisas e pouco se ouviu falar num dos episódios mais humilhantes para a polícia – se exceptuarmos, obviamente, os excessos do seu lado.

vitor.rainho@sol.pt