nelly furtado actuou em 2007, num hotel em itália, para a família de kadhafi e recebeu um milhão de dólares. a luso-canadiana veio esta semana revelar que vai oferecer o valor do contrato a uma instituição de caridade. outros artistas, entre os quais mariah carey, beyoncé, usher e 50 cent também cantaram para a família do ditador e estarão a ser pressionados pela indústria discográfica para devolver o dinheiro. se esta moda pega, onde é que irá parar o espectáculo? será que só agora é que se descobriram as façanhas do coronel mais bizarro da história dos últimos anos? não é este o mesmo coronel que foi acusado durante muitos anos de ter encomendado a explosão de um avião comercial americano? e não é este o mesmo coronel que nos últimos anos tem andado de braço dado com os principais líderes políticos mundiais? estes irão devolver o dinheiro que ganharam com a venda de armamento ou outros negócios?
a hipocrisia é uma arma da política, mas tudo tem limites. basta olhar para outros países do médio oriente, onde, por exemplo, a al-qaeda se refugiou durante tantos anos, para se perceber que tudo continuará na mesma se os respectivos povos não se revoltarem na rua. é óbvio que só daqui a uns bons anos é que se perceberá toda a extensão dos dramas e jogadas de bastidores que estão por detrás de todas as movimentações naquela zona do globo. mas ninguém é inocente na história. os serviços secretos dos diferentes países sabiam muito bem o que se passava nas nações agora libertadas dos respectivos líderes ou em vias de o serem. se o mundo se regesse por uma cartilha de bons costumes, certo é que boa parte dos negócios não se tinham efectuado e muitas empresas estariam falidas. imaginemos que a europa só tinha trocas comerciais com países que entende serem democráticos. se assim fosse, a crise há muito tinha estalado. o mais impressionante é que até a suíça, um autêntico cofre-forte dos regimes mais sinistros, acordou agora para a moralidade e promete confiscar os bens daqueles que durante anos e anos protegeu. todos querem reescrever a história o mais rapidamente possível. hoje é difícil encontrar um político que tenha sido amigo de mubarak ou kadhafi.
voltando a nelly furtado e ao princípio da crónica, diga-se que a sua atitude é louvável, mas que o caminho seguido é perigoso. será que todos os músicos, ou empresários, vão devolver o dinheiro ganho em países não democráticos? e já agora, por que razão mubarak não pôde abandonar o egipto e o líder da tunísia o pode fazer e recheado, ao que se diz, de barras de ouro para a arábia saudita? será este um país cheio de virtudes, ou a virtude tem o nome do maior produtor de petróleo do mundo?
vitor.rainho@sol.pt