‘Crise vale a pena se trouxer novo rumo’

O chairman da Vodafone Portugal, António Carrapatoso, vai colaborar com o PSD na elaboração de novas linhas políticas. Defende a saída do Estado das empresas e admite os custos de uma crise política, mesmo que provocada pela intervenção do FMI, se «for para o país entrar no rumo certo».

tem novas funções na vodafone. põe menos a ‘mão na massa’?
bastante menos. temos um ceo e eu sou o chairman. reuno com o conselho de administração de três em três meses e, quando necessário, colaboro na estratégia, plano e orçamento anual e sempre que me pedem apoio.

 

qual é a estratégia da vodafone?
a principal aposta é estarmos sempre na frente no móvel, mas também alargar a oferta de serviços. somos co-líderes no móvel e temos muitos desafios relacionados com as novas funcionalidades, dados, tráfego, novas aplicações.

 

o sector enfrenta um dos piores períodos…
o mercado das telecom não está a crescer e, em 2011, até o móvel vai cair. com a crise, as pessoas têm menos rendimento disponível e gastam menos.

 

a concorrência será mais feroz?
a concorrência tem sido sempre feroz, pelo menos no móvel. na área fixa, com a entrada de novos operadores, tornou-se mais agressiva. mas no fixo há um poder já estabelecido. também na fibra temos receio de que a pt venha a ter uma posição dominante.

 

há um abuso dessa posição?
há, pelo menos, o risco de vir a existir abusos. mesmo a zon terá algumas dificuldades em concorrer com a pt.

 

face a este agravamento, que medidas podem tomar?
temos de ser muito imaginativos nos tarifários. podemos fazer sempre mais e melhor. será o tal ‘jogo’ da concorrência permanente que vai beneficiar os clientes.

 

a regulação dos mercados financeiros foi esquecida?
a concorrência tem um grande valor social, mas a nível europeu tem de se regular e fiscalizar melhor os mercados. o regulador tem de estar melhor informado.

 

em portugal também?
temos de participar nesta regulação a nível europeu. é uma área onde precisamos de ganhar muitas competências, inclusive no banco de portugal.

 

o maior problema da economia é a falta de competitividade?
sim, por definição, e está estreitamente ligado à falta de produtividade e de inovação. um dos problemas é a qualificação dos recursos humanos, mas também o papel que damos aos principais agentes da economia, como o estado, e temos de definir melhor o enquadramento da área empresarial. nos últimos anos tivemos vários governos, mas não houve grandes alterações no paradigma político. as soluções adoptadas nos últimos 15 a 20 anos não deram resultado. não conseguimos garantir a eficácia e controlar as despesas do estado social e o estado, em geral, cresceu sempre.

 

está por semanas a vinda do fmi?
não sou tão taxativo, mas há uma grande probabilidade de necessitarmos de recorrer a ajuda externa.

 

se assim for, é inevitável que haja eleições antecipadas?
é mais um elemento que, em conjunto com outros, pode ser determinante para que tal aconteça, ou seja, pode ter influência na precipitação de uma crise política. poderá ser a gota de água.

 

isso cria instabilidade?
é isso que valorizo menos. para os mercados, o mais importante é que estejamos no rumo certo. o grande desafio é termos uma sociedade capaz de gerar riqueza e com um modelo social eficaz e sustentável. se tivermos de entrar num ‘tumulto’ durante dois ou três meses, é melhor do que andarmos com ‘paninhos quentes’ e continuarmos nesta situação.

 

é um preço que vale a pena pagar?
se for para o país entrar no rumo certo, vale a pena pagar uma crise política a curto prazo.

 

mais cedo do que tarde?
se existir um projecto alternativo, uma equipa capaz de o protagonizar e uma base ampla de apoio da população, é melhor que as eleições sejam o mais cedo possível.

 

as taxas de juro que estamos a pagar são racionais?
se tivermos uma taxa média de 7%, é óbvio que não é sustentável. actualmente, ainda está à volta de 4%, o que já é uma grande pressão. não controlamos totalmente o nosso destino do curto prazo, os credores e a alemanha é que o vão determinar.

 

o estado deve ter um banco?
não me repugna, desde que esteja clara a sua governação, que não ponha em causa uma sã concorrência nos mercados e não se alimente a promiscuidade político-económica, como tem, por vezes, acontecido. e não falo só do ps.

 

devem limitar-se os salários dos gestores públicos ?
nas empresas onde o estado tiver condições e se justificar ficar, devem atribuir-se boas condições aos gestores, com moderação, mas segundo os valores do mercado para as mesmas circunstâncias .

 

não o choca ganharem mais do que o pr e o pm?
nos políticos há a noção de serviço público. há outras considerações que não existem nas empresas públicas.

 

os políticos ganham mal?
não ganham bem e não podemos correr o risco de não conseguirmos atrair boas pessoas para a política pelo facto de os salários não serem minimamente compensadores. poderiam ganhar mais, mas é algo que os políticos só deveriam instituir para o futuro.

 

o estado tem de ser reduzido?
a despesa do estado pesa 50% do pib e isso não é suportável. deve passar para 40%/42% nos próximos tempos. o estado não deve também estar nas empresas e deve reduzir significativamente a participação em empresas públicas, e as participações minoritárias em privadas, inclusive as golden shares.

 

concordou com o corte nos salários?
acho que há necessidade de cortar despesa e é muito difícil fazê-lo agora sem cortar nas rubricas mais elevadas, que são os custos sociais e os funcionários públicos, que pesam 34% do pib. não sou a favor, mas ao não termos seguido as políticas certas, ao não fazermos crescer a economia e ao desequilibrarmos as contas públicas, estamos a tornar essas medidas inevitáveis.

 

defende os despedimentos?
não sou a favor, mas tem de haver uma redefinição do papel e organização do estado.

 

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