o mundo é, de facto, um lugar caótico. oiço quase tantos relatos de sexo ocasional como histórias de casais unidos pela vida que não praticam sexo. até parece que o sexo é uma coisa e que a vida a dois é outra. felizmente, nem sempre é assim. também conheço casais que conseguem ter tudo – vida familiar intensa, planos para o futuro e bom sexo pelo meio. mas não são muitos. e serão, seguramente, muito menos do que aqueles para quem o casamento é um estatuto, um fim, um estilo de vida que deve ser preservado a qualquer preço, a bem da estabilidade, a bem do conforto, a bem do que a sociedade deles espera.
o que me deixa mais perplexa é que há 30 anos era assim e, desde então, pouco mudou: ainda há homens que se casam com mulheres porque pensam que elas serão óptimas mães e boas donas de casa, mas com quem não têm uma relação íntima forte, factor que não parece importante no momento da escolha. na maior parte dos casos, vejo esses mesmos homens apaixonarem-se por outras mulheres, vivendo uma vida dupla. bolas, que grande estafa. como é que um tipo tem tempo para trabalhar e ter uma ou mais amantes ao mesmo tempo? adia reuniões? vai para o motel da auto-estrada com uma sanduíche de paio e umas ‘jolas’ num saco de plástico em vez de se sentar para almoçar? parte em congressos e em reuniões internacionais todas as semanas que, afinal, são em sesimbra ou em aveiro?
e as amantes? se são casadas e trabalham, onde é que arranjam tempo entre o emprego, a lida da casa e as boleias das crianças para o ballet, o futebol e as aulas de piano? e elas não lhes arranham as costas? não deixam vestígios de base no colarinho deles enquanto se esfregam durante os preliminares? e não lhes telefonam a seguir, a horas menos próprias, quando eles estão a jantar com a mulher e com os filhos?
enquanto pensava sobre o tema desta crónica, decidi rever atracção fatal, a história tétrica e moralista de um tipo bem casado que dá umas curvas com uma psicótica descompensada. esta persegue-o de forma doentia e assustadora, atirando para a panela o coelhinho de estimação da filha dele e acabando por morrer na banheira depois de uma luta titânica. este clássico do final da década de 80, que teve seis nomeações para os prémios da academia, foi inspirado num filme de bollywood e ainda hoje suscita comentários acesos. glenn close, que fazia de má da fita, afirmou, numa entrevista em 2008, que os homens ainda lhe dizem na cara que morreram de medo dela e que, graças à sua personagem, ela lhes salvou o casamento. o filme tornou-se um símbolo moderno do moralismo norte-americano levado ao rubro na década de 90 por causa da sida, associada não apenas às comunidades sexuais mas a práticas promíscuas. e a cena do coelho morto na panela entrou para o imaginário colectivo de várias gerações.
ainda que nem todas as amantes se tornem psicóticas e violentas, não valerá mais a um tipo concentrar-se na prata da casa? todos sabemos que a natureza masculina é diversa e gosta de variedade, mas se tais opções implicarem coelhinhos cozidos vivos na melhor peça do trem de cozinha, bem como outras atrocidades, talvez não compense o mal que faz pelo bem que sabe.