não há em português uma tradução fiel para a sábia expressão da língua inglesa falling in love. enquanto país de forte tradição católica que somos, existem outras como ‘cair em tentação’, ‘cair em pecado’ ou ‘cair na esparrela’, mas ‘cair no amor’ infelizmente não existe. o mais próximo que se consegue encontrar é o verbo usado na voz passiva que dá origem à expressão ‘estar caidinho por’, tão má como ‘estar apanhadinho’ por alguém. ora caidinho ou apanhadinho são expressões infelizes que dão um ar comezinho à coisa, e isto de uma pessoa se apaixonar a ponto de sentir que está a flutuar como uma folha de papel pelo poço da alice abaixo, sem saber o que a espera e, mesmo assim, sem medo de nada não tem nada de vulgar. todos sabemos que uma pessoa se pode entusiasmar muitas vezes, perder a cabeça outras tantas, mas apaixonar-se a sério, de caixão à cova, que é como quem diz «para todo o sempre e até que a morte nos separe», acontece poucas vezes na vida.
o bom de uma pessoa se apaixonar é que começa logo a emagrecer. o estômago, outrora local tranquilo e atreito a digestões sem história, transforma-se numa quinta de borboletas, deixando pouco espaço para o bife. uma sopa e um pedaço de pão ainda marcham, mas um bacalhau, seja ele cozinhado de que maneira for, já se torna uma tarefa hercúlea para um estômago apaixonado. e como em geral também não se dorme bem, o cansaço acumulado rouba-nos fome. se os sintomas se arrastarem durante semanas, já não estamos a cair suavemente no poço por onde alice desceu para o país das maravilhas; já lá estamos completamente dissolvidos na nova realidade. e para sair dela vai ser o cabo do trabalhos. o tempo diz-nos que já não se trata de um entusiasmo, de um flirt – outra palavra sem tradução à letra no nosso léxico – ou de um arrufo. é mesmo paixão pura e dura e há que saber viver com ela.
outras vezes a paixão não chega de repente, vai-se instalando como se nada fosse, ao longo de semanas de riso e de entendimento, com boa conversa e melhor sexo pelo meio. é a paixão que nos faz sentir a subir uma colina em vez de cair num poço. vem corporizada em alguém que nem sequer é bem o nosso género, mas que, devido a um conjunto de circunstâncias, acaba por entrar na nossa vida, na nossa cama e depois no nosso coração.
seja a cair do poço ou a subir a colina, é bom não tirar os pés do chão e fazer tudo o mais devagar possível. um truque que pode dar resultado é uma pessoa simplesmente fingir que não está apaixonada. é difícil, mas não impossível. acordar de manhã e, assim que começar a pensar na outra, fingir que não se está a pensar, que se enganou. ocupar-se com muitas coisas às vezes também ajuda, embora tapar uma coisa não seja o mesmo que esquecê-la. mesmo assim, o tempo é o melhor barómetro. se o sentimento persiste ao longo de meses, se cada vez que ele passa a soleira da porta o nosso coração dispara enquanto sentimos o milagre da multiplicação das borboletas cá dentro, se os beijos se mantêm deliciosos e vertiginosos, então o melhor é baixar a guarda e agitar a bandeira branca da rendição. fomos apanhados pela armadilha amorosa, resta-nos desfrutar, respirar fundo e deixar correr. a paixão é o avesso do medo e quem tem medo nunca se apaixona a sério.