O muro já foi abaixo [com fotos

Há lá melhor lugar que Lisboa para começar a digressão europeia de The Wall Live, perguntou Roger Waters ao público na primeira de duas noites no Pavilhão Atlântico.

a pergunta era retórica, mas o espectáculo não o foi no sentido pejorativo. nem o mais empedernido sectário da crítica musical que domina os media (que por norma despreza os ‘chatos’ pink floyd) poderia sentir-se entediado ou indiferente perante a releitura do clássico moderno que é the wall. a actualidade da mensagem contra a guerra e contra os ‘ismos’ do poder, aliada a um conjunto cénico único esmagam o espectador — pelo menos aqueles que não estão demasiado ocupados a filmar o show.

desde o momento em que um ‘vagabundo’ que se passeia com um carrinho de compras e atira o boneco pink para o palco até aos músicos se despedirem de palco um a um ao som de outside the wall, há mais de duas horas de uma produção megalomaníaca, sim, mas também emocionante. como por exemplo em vera, ao mostrar crianças a correrem para os pais, soldados regressados de missão, ou em run like hell, ao projectar as imagens, divulgadas pelo wilileaks, de um repórter de imagem e do seu assistente serem abatidos no iraque.

e é difícil escolher o que é mais extraordinário: se as animações de gerald scarfe (já usadas no filme the wall) a emprestarem uma carga dramática extra à música, se o reconhecimento do intratável waters, no final do concerto, de que há 30 anos desprezava o público e que agora o adora. a idade tem destas coisas. mas se, aos 67 anos, o baixista tem o coração mais mole e uma capacidade de autocrítica em relação aos excessos de outros tempos, não se pense que se apresenta em palco como um velho maestro a apoiar-se na batuta como se fosse uma bengala. waters demonstra uma vitalidade própria de um rocker que em vez de lsd tomou o elixir da juventude. e que nos lembra, qual grilo falante, que temos de derrubar todos os muros, a começar pelos da nossa consciência. o povo gostou e não escondeu alguma desilusão por não haver encore.

para quem vai ao concerto desta terça-feira é bom lembrar a pontualidade britânica do fundador dos pink floyd. como consolação, para quem não conseguiu bilhete, pode ver algumas das centenas de filmagens disponíveis no youtube até um dia poder apreciar o filme desta digressão. as gravações vão decorrer em maio, no pavilhão o2, em londres, e é dado como adquirido que o guitarrista david gilmour, companheiro de waters nos pink floyd, irá fazer uma perninha.

veja aqui as fotos do concerto

cesar.avo@sol.pt