nós fomos a última geração a levar reguadas na aula, a trautear a tabuada enquanto olhávamos para os retratos de oliveira salazar e de marcelo caetano, a escrever no quadro com giz, a decorar estações e apeadeiros e a ter medo dos nossos pais. fomos também os primeiros a viver em pleno a liberdade de expressão e a hastear bandeiras do ppd, do cds, da ad e do prd em manifestações políticas. acima de tudo, fomos uma geração que viu os seus pais mergulhados em crise profunda; contas de bancos congeladas, saneamentos sumários por razões políticas, perseguições pelo copcon, fugas para espanha e brasil, expropriações de monopólios agrícolas, nacionalizações de impérios familiares e regresso forçado das ex–colónias. nós racionámos o leite, o pão e a fruta. percebemos que a vida era dura e que, se não fossemos os melhores, nunca nos iríamos safar.
no reino unido, a geração x já tinha sido caracterizada em 1964 como uma geração inconformista que via como normal a prática de relações sexuais antes do casamento, que embirrava com a rainha, que não acreditava em deus nem tinha respeito pelos pais. em portugal, nos anos 80, 15 anos depois, estávamos longe disso; quase todos queríamos ser by the book, tirar um curso numa boa universidade, arranjar um bom emprego, apostar numa carreira de sucesso, casar e ter filhos. e assim foi com muita gente.
a ideia de casar e de fundar uma família como sinónimo de sucesso e do triunfo da maturidade sobre o vazio de uma existência mais boémia é uma marca da minha geração. paira ainda uma clara distinção entre os que acertaram na vida e os que falharam nesse aspecto. e o divórcio não perdeu o pendor trágico de um cataclismo para os mais conservadores. um homem que se apaixona por outra mulher e sai de casa é visto como um pulha que abandona o lar e os filhos, mesmo que estes já estejam na universidade.
muitos homens desta geração casaram cedo, com a segunda ou terceira namorada, lutaram arduamente por uma carreira profissional, tiveram dois ou mais filhos e hoje gozam o bem-estar de uma vida feita de trabalho e de poupanças equilibradas que aplicaram em bons investimentos. estes homens, que têm agora entre 50 e 55 anos, ainda se sentem muito novos, mas embora alguns sonhem com outra vida, preferem manter-se fiéis ao modelo por eles desenhado e que faz deles bons rapazes até ao fim da vida (em vez de desiludir os que mais os admiram).
é legítimo afirmar que o peso das convenções sociais prevalece sobre a vontade própria do indivíduo? ou, por outro lado, não será de louvar o sentido de responsabilidade de quem não quer destruir o que levou a vida inteira a edificar?
são as circunstâncias que governam os homens e não o contrário. afinal, nunca foram geração x, mas uma geração responsável. e ainda bem.