foi disto que me lembrei quando, na semana passada, li uma notícia sobre a cinemateca/anim em que se dizia, entre outras coisas, que uma avaria no sistema de climatização que protege os filmes ali guardados pode pôr em risco todo o seu riquíssimo espólio, que as sessões diárias foram reduzidas, que deixou de haver legendagem electrónica, que os programas deixaram de ser impressos, que parou a aquisição de livros que fazia da cinemateca uma das melhores bibliotecas de cinema do mundo, e por aí fora.
dir-me-ão que, no estado de crise que o país atravessa, as pessoas precisam é de pão para a boca e passam bem sem os filmes. o problema é que não se trata de pedir mais dinheiro para manter abertas as salas e os serviços de preservação a funcionar. como qualquer organismo público, a cinemateca sofreu uma cativação de 20% das suas receitas, com a qual se preparou para conviver.
o problema está em que uma portaria recente congelou rubricas e estabeleceu restrições na aquisição de serviços que, na prática, impedem a flexibilidade necessária para fazer face aos cortes orçamentais. alguns serviços, como o transporte e a legendagem, que eram subcontratados fora por razões de operacionalidade e economia, deixaram de funcionar porque requerem a aprovação do ministério das finanças, mesmo que tenham cabimento orçamental.
para mais, a cinemateca tem autonomia administrativa e financeira, porque vive de receitas próprias (provenientes da taxa sobre a publicidade televisiva e do piddac), o que torna mais absurdo este estrangulamento burocrático. mas o mais grave é que este problema não afecta apenas a cinemateca. a portaria atinge todos os organismos públicos, o que, na prática, significa que a curto prazo podem paralisar serviços essenciais para os cidadãos e o ministério das finanças ver-se inundado de pedidos de autorização para despesas correntes.
já imaginaram o que pode representar a sua aplicação nos hospitais públicos, por exemplo? os cidadãos talvez não sofram, a curto prazo, por o ica ter que esperar vários meses para poder contratar um projeccionista ou por desaparecer a cópia de ‘a canção de lisboa’. mas que dizer da morte de um doente por não ter podido fazer uma ecografia a tempo ou porque a direcção do hospital não teve autorização para contratar o serviço de uma ambulância?
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