O primeiro beijo

Nunca esquecemos o nosso primeiro beijo amoroso/erótico, seja pelas melhores, ou pelas piores razões. No meu caso, a experiência não podia ter sido mais desagradável. Eu tinha 14 anos, era Janeiro e estava um frio de rachar, chovia a potes e um dos rapazes mais populares do liceu, que andava um ano à minha frente,…

não gostei da pressão da boca dele na minha, na mal educada intromissão da língua dele no meu palato, da textura esponjosa da mesma e, desde então, nunca mais consegui comer polvo, nem sequer em pratinhos de salada à laia de petisco de verão. até pode ser óptimo, mas para mim é a recordação do meu primeiro beijo e as más recordações só servem para nunca nos esquecermos que jamais devemos lá voltar.

acredito que uma das razões que levou a tal desastre foi o meu total desconhecimento da técnica que envolve um bom beijo. e também o facto de eu saber que aquele rapaz, que era dos mais populares do liceu como já referi, andava literalmente a espetar ‘selos’ às miúdas todas que lhe passavam pela frente e por isso senti-me mais uma na interminável lista de ingénuas.

trinta anos depois e pormenores técnicos à parte, acredito cada vez mais que um beijo apaixonado bem dado é uma espécie de radiografia antecipada do que pode vir a ser uma relação. está lá quase tudo – o tempo, o jeito, o feitio e o modo de ser e de estar de cada um. o grau de empenho, de entrega, de paixão, de delicadeza, de cuidado, de atenção, de tesão e de carinho. um beijo que se dá perfeito à primeira é um beijo feliz, arauto de prometedor e seguro entendimento emocional e carnal. um beijo bem dado é quase um salvo-conduto para que a seguir tudo corra maravilhosamente, até porque um beijo perfeito nunca vem só, traz consigo centenas, milhares de outros beijos, igualmente perfeitos e, contudo, sempre diferentes, como matizes infinitas da nossa cor preferida, milhares de azuis semelhantes e, no entanto, todos belos, todos únicos e todos irrepetíveis.

irmão do beijo pelo lado fraterno é o abraço. o meu amigo márcio vassallo, escritor brasileiro de livros infantis, assina os seus e-mails com um ‘beijo abraçado’. um beijo abraçado é uma noção inovadora – ou não fossem os nossos irmãos do brasil os grandes criativos da língua portuguesa – e muito bela. ele reúne o encanto erótico de um beijo com o conforto fraternal de um abraço. e um abraço é sempre uma coisa bestial; passo a vida a abraçar as pessoas de quem gosto e nunca me canso de o fazer, porque me faz bem ao corpo e à alma. é claro que existem muitos tipos de abraços e que os melhores são os que os nossos filhos nos dão, mas o abraço que envolve um beijo romântico é uma vertigem única. é é ele que faz disparar as borboletas no estômago, que nos põe a cabeça a andar à roda e que nos faz sentir a levitar, enquanto ouvimos mentalmente o r. kelly a cantar «i believe i can fly».
um beijo perfeito faz-nos voar para muito longe sem nunca sairmos do lugar onde queremos estar e pertencer para sempre. e pode mudar a nossa visão do mundo, ainda que não faça com que os ponteiros do relógio girem ao contrário.