Crime no Fisco para permitir reembolso de milhões à Carrefour

Duas funcionárias das Finanças foram acusadas pela 9.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa dos crimes de corrupção passiva e falsificação de documento, por terem recebido 3050 euros para forjar uma certidão que permitiu, em 2003, um reembolso de quatro milhões de euros de IVA à empresa Carrefour.

o pagamento em dinheiro ‘vivo’ foi realizado por um consultor fiscal, com o conhecimento da contabilista do grupo francês de hipermercados, a quem foram imputados os crimes de corrupção activa e a co-autoria da falsificação de documento.

o inquérito, cuja prova principal assenta em escutas telefónicas, nasceu de uma certidão extraída em 2007 de um inquérito de corrupção mais vasto na direcção-geral de impostos.

no centro da investigação, liderada pelo procurador josé ranito, estava a venda da carrefour imobiliária à esaf, gestora de fundos de investimento imobiliários do banco espírito santo, de um hipermercado em loures. a operação realizou-se em dezembro de 2002, pelo valor de 21,2 milhões de euros.

contudo, no início de 2003, os contabilistas do grupo carrefour detectaram um erro que acarretaria graves prejuízos: a empresa não tinha renunciado à isenção de cobrança de iva na transmissão do imóvel. facto que impedia o retalhista francês de conseguir o reembolso, solicitado em setembro do mesmo ano, de quatro milhões de euros de iva pago durante a construção do hipermercado.

o consultor fiscal do carrefour, foi contactado pelo contabilista do carrefour, para resolver o problema. o consultor, que foi funcionário do fisco nos anos 80, sugeriu então que fosse elaborado um documento de renúncia dirigido ao serviço de finanças lisboa 11, mas com a data anterior à escritura da venda do imóvel.

a ‘música do costume’

a 17 de janeiro de 2003, o consultor fiscal contactou com uma das chefes da secção daquela repartição de finanças, tendo esta funcionária aceitado receber o documento falsificado e influenciar o responsável pelo iva na mesma repartição, de forma a emitir a certidão desejada pelo carrefour, com a data de 18 de dezembro de 2002. em contrapartida, o consultor fiscal do carrefour prometeu que «pregaria» junto desta empresa a «música do costume» – o que, segundo o procurador josé ranito, significa que o consultor fiscal sugeriu o «pagamento de dinheiro». sugestão esta que, no próprio dia, segundo a acusação, teve a concordância do contabilista do carrefour.

contudo, para a operação de falsificação ser eficaz, era necessário adulterar o livro de registo de entrada de documentos da repartição lisboa 11. esta operação foi feita por um terceiro funcionário, que rasurou e alterou um número de processo, de forma a que a entrada n.º 28496 de 16 de dezembro de 2002 correspondesse ao requerimento do carrefour.

sucede que a entrada n.º 28496 correspondia, na realidade, a um requerimento do banco best (do grupo espírito santo), datado de 8 de novembro de 2002. segundo a acusação, os funcionários de finanças destruíram tal ofício, de forma a que o registo adulterado correspondesse ao documento forjado do carrefour – acção que motivou a imputação de um crime de subtracção de documento.

a certidão de renúncia à isenção do iva acabou por ser emitida no dia 21 de janeiro de 2003 (mas com a data de 18 de dezembro de 2002) e foi entregue em mão pela directora de serviços das execuções fiscais daquela repartição ao consultor do carrefour. em troca, este entregou-lhe, segundo a acusação, 4.000 euros em notas. a funcionária depositou no mesmo dia metade desse valor na sua conta bancária, tendo entregue em fevereiro a quantia de 1.050 euros à funcionária que emitira a certidão. ficou por apurar o rasto de 950 euros, mas o certo é que a investigação da polícia judiciária não conseguiu descobrir nenhum depósito suspeito nas contas do terceiro funcionário das finanças.

a certidão forjada viabilizou o pedido de reembolso de quatro milhões de euros que já tinha sido pedido pelo carrefour em setembro de 2002. o procurador josé ranito considera, no despacho de acusação, que esse montante deveria ter sido entregue ao estado, existindo por isso a suspeita da prática de um crime fiscal – cuja investigação ainda não terminou. devido aos processos disciplinares pendentes conta os funcionários do fisco, o magistrado preferiu extrair uma certidão para a abertura de um inquérito autónomo que irá concluir se o crime fiscal foi praticado.

luis.rosa@sol.pt