Arábia é oásis para enfermeiras

A Arábia Saudita começa a ser um ‘oásis’ para as enfermeiras insatisfeitas com a situação laboral em Portugal. Para Riade, a capital do país, emigraram já quatro portuguesas. O objectivo: ganhar muito dinheiro. Por mês recebem acima de 3.200 euros, livres de impostos.

«toda a gente vai para a arábia saudita pelo mesmo motivo: ganhar dinheiro», frisa a pioneira portuguesa, sofia macedo. esta enfermeira de 28 anos mudou-se para riade em fevereiro de 2009, para receber um bom ordenado. acabou por ganhar também um noivo, um engenheiro hidráulico francês, que trabalha na companhia nacional das águas da arábia saudita. mas sobre o desafio de uma mulher solteira namorar naquele país falaremos adiante.

em portugal, segundo guadalupe simões, do sindicato dos enfermeiros portugueses, existirão cerca de três mil enfermeiros desempregados. cansadas do cenário de precariedade, sofia macedo, andreia viana, marta de sousa e diana oliveira desvalorizaram as diferenças culturais do mundo árabe e apostaram na estabilidade económica e na realização profissional.

isentas de impostos e com alojamento e despesas de água, luz e gás pagos, as quatro enfermeiras conseguem ter um nível de vida que dificilmente teriam em portugal. dois anos de experiência profissional e domínio do inglês são os requisitos exigidos.

«ninguém pode ir para lá sem ter contrato de trabalho; só se é aceite se a agência de recrutamento for bem vista no país», explica sofia macedo. é o caso da professional connections, empresa através da qual as portuguesas conseguiram contrato de trabalho na arábia.

ann griffin-aaronlahti, directora da professional connections, explica ao sol que, devido ao rápido desenvolvimento dos cuidados de saúde e dos grandes hospitais da arábia, entre 1970 e 1980, houve sempre necessidade de recrutar expatriados. mas, sublinha, «a percentagem de enfermeiras ocidentais tem vindo a aumentar desde 2008».

de 800 para 3.500 euros

com contratos renováveis de um ano, 50 dias de férias anuais, horas extraordinárias pagas a 150% e viagens gratuitas no início e no final do ano, as quatro portuguesas decidiram aventurar-se num país onde as mulheres não podem conduzir e onde têm de usar abaya (longo vestido preto, que cobre pernas e braços) quando andam na rua.

em outubro de 2010, andreia viana, que trabalha em cuidados paliativos ao domicílio, trocou os 800 euros, que recebia na unidade local de saúde de matosinhos, pelos cerca de 3.500 euros de ordenado no hospital king faisal, em riade. «em seis meses, consegui poupar sete mil euros», conta.

andreia, de 28 anos, evidencia que foi preciso ficar a uma distância de mais de 5.000 quilómetros de casa para se sentir «completamente realizada». «a vida lá é mais facilitada. na minha equipa somos sete enfermeiras e sete tradutores e são os tradutores que nos conduzem à casa dos doentes», explica.

em portugal, sofia macedo ganhava entre 1.200 e 1.300 euros. em riade começou por ganhar 3.200 euros e, após ter sido promovida a educadora clínica (cargo que não existe em portugal), passou a auferir 3.800 euros. «se fizesse uma vida de trabalho-casa, gastaria por mês só 500 euros».

além do salto económico, a enfermeira portuense cresceu profissionalmente: «como é um hospital que trabalha com 36 nacionalidades diferentes, é uma experiência muito enriquecedora, pois tudo se faz segundo a melhor investigação do estrangeiro».

sofia conta que ao hospital king faisal – um dos mais prestigiados do médio oriente – «chegam, todos os meses, 40 enfermeiros vindos de todo o mundo». e acrescenta ter colegas portuguesas a querer seguir-lhe os passos.

em casa de solteira, rapaz não entra

na arábia, as enfermeiras expatriadas e solteiras ficam a residir no campus do hospital, em acomodações só para mulheres. ali, rapaz não entra. já as enfermeiras casadas vivem num compound (área habitacional privada, onde só se entra com autorização). é o caso da alentejana marta de sousa, de 33 anos, que vive em riade com o marido.

na arábia, não há cinemas ou discotecas. nem transportes públicos. quando necessário, o hospital disponibiliza serviço de transporte. nos tempos livres, as quatro expatriadas vão a centros comerciais ou a restaurantes – sendo que nestes existe uma área para famílias e mulheres solteiras e outra para homens solteiros.

marta de sousa explica, ao sol, que também é possível «ir às praias privadas em jeddah, onde se pode vestir biquini, ou fazer mergulho no mar vermelho». além disso, existem passeios no deserto ou festas nas embaixadas. foi, aliás, numa festa na embaixada dos eua que sofia macedo conheceu françois, com quem namora há um ano e meio.

o namoro em terras árabes tem sido um desafio para ambos, até porque o facto de uma mulher solteira sair com um homem pode ser motivo para detenção, por parte da polícia religiosa. sofia já sabe os locais onde a polícia se encontra e, por isso, é cautelosa nos gestos de afecto: «se se agir naturalmente, eles não pedem os documentos aos casais e como somos os dois brancos, com ar europeu, acabam por não incomodar muito», observa. sofia admite, porém, que «os entraves são grandes e só quando se gosta muito de alguém é que as relações podem funcionar».

se não estivesse noiva, a enfermeira portuense ficaria em riade até se fartar. mas, como o contrato de trabalho de françois termina em 2012, seguir-se-á outro país: «provavelmente ficaremos em inglaterra, mas o mundo é uma ervilha e podemos ser enfermeiras em qualquer parte do mundo. menos em portugal, para muita tristeza minha».

liliana.garcia@sol.pt