trinta e sete anos depois, as restrições temporárias à movimentação do dinheiro que tinha no banco, após o 25 de abril, ainda estão bem vivas na memória de manuel joão. hoje, aos 61 anos, o empresário agrícola da região oeste lembra os momentos de aflição que viveu até ao início de 1975, quando a situação começou a normalizar.
«o que vale é que, naquela altura, tínhamos quase todos o hábito de ter algum dinheiro em casa», relata ao sol o agricultor, frisando que «na época não havia multibanco, o uso do cheque ainda era pouco generalizado e os bancos sempre tiveram horários curtos, não funcionando à tarde e fim-de-semana».
outro fenómeno que afectou o sistema bancário no pós-revolução foi a quebra acentuada de depósitos, devido à desconfiança. a situação só se começou a inverter com a nacionalização da banca, em 1975.
exceptuando as instituições estrangeiras e as caixas económicas da madeira e dos açores, todos os bancos e companhias de seguro passaram a ser do estado. com a nacionalização da banca – e com o objectivo de incentivar a poupança e proteger as instituições menos eficientes –, as taxas de juro dos depósitos foram regulamentadas. havia ainda uma taxa máxima para os créditos, para prevenir a usura, já que as taxas dos empréstimos ultrapassavam os 20%.
logo em 1974 o banco de portugal impôs restrições ao crédito. durante vários anos, os bancos emprestavam em função dos limites traçados pelo banco central e não em função dos valores que maximizariam os lucros.
a regulamentação das taxas de juro persistiu até ao início dos anos 90, com a implementação da nova lei bancária baseada na 2.ª directiva bancária da união europeia. três anos antes, logo após a liberalização do mercado bancário, a corrida dos bancos à concessão de crédito começou a visar os ganhos. e foi então que se começou a assistir a uma ‘explosão’ do crédito e do consumo privado, que durante anos foi utilizado como uma das alavancas da economia.
«os padrões de consumo evoluíram em portugal no pós-revolução e começaram depois a massificar-se pela pressão social e pelas necessidades de produção em larga escala», analisa a economista aurora teixeira.
este aumento do consumo, «que se acentuou em portugal nas últimas décadas, foi desproporcional ao desenvolvimento económico», defende joão salgueiro. para o ex-presidente da cgd e ex-ministro das finanças, «criou-se um problema cultural e sociológico em que as pessoas só pensam em viver o presente, esquecendo-se de acautelar o futuro, mas isso vai ter de mudar, dada a actual situação deficitária do país».
a competição entre os bancos aumentou, sobretudo, com a adesão à cee. com a descida de aforro a que se começou entretanto a assistir, devido à quebra substancial das taxas de juro nos depósitos (0% em 1995, por exemplo), os bancos viram na concessão de empréstimos uma forma de aumentar os ganhos.
o financiamento bancário para a aquisição de bens começou pela compra de habitação – que continua a ser a principal despesa de investimento nos orçamentos familiares. mas rapidamente se alastrou a outros bens e serviços, como carros e viagens, até atingir um financiamento indiscriminado a todo o tipo de consumo, como compra de jóias ou alimentação.
em termos históricos, o crédito a particulares tem trazido uma melhor rentabilidade ao sistema bancário do que o crédito às empresas, sendo praticado com taxas superiores para montantes menores. por outro lado, o risco está disperso por uma maior base de clientes, há uma garantia patrimonial concreta e o cliente é fidelizado para adquirir outros produtos.
mas, para suprirem os seus próprios créditos, os bancos foram forçados a endividar-se lá fora, agravando o actual nível de endividamento externo do país (famílias, empresas e estado).
hoje, perante a evolução negativa da conjuntura económica, os bancos estão a dificultar o crédito, aumentando os prémios de risco para valores que cubram os custos de suportar a sua actividade. o presidente da associação portuguesa de bancos (apb), antónio de sousa, já alertou que «a contracção do crédito vai afectar a economia portuguesa em geral, muito dependente do financiamento bancário», salientando que «não há outra solução».