muito se escreveu sobre o facto de no passado fim-de-semana o algarve ter estado lotado de portugueses em crise. durante anos a fio, houve um incentivo desmesurado ao consumo. ‘não tem dinheiro para ir de férias? o seu banco empresta’; ‘não tem dinheiro para comprar casa? o seu banco resolve’; ‘fica sem dinheiro mal recebe o ordenado? o seu banco adianta-lhe um mês’; ‘não tem o carro dos seus sonhos? o seu banco trata disso’. estes foram dos anúncios mais escutados por portugal inteiro desde os idos anos 90 do século passado. seria normal que as pessoas de um momento para o outro mudassem de comportamento? não creio. ainda para mais, poucos sabem o que os espera, até porque, tirando os funcionários públicos que já ficaram sem parte do ordenado e que levarão ainda outra talhada no mesmo, uma parte significativa da população pensa que se está a falar de coisas vagas que só dizem respeito aos outros. e seria de esperar outra atitude quando o governo decretou tolerância de ponto na passada quinta-feira? também não creio.
não deixa de ser curioso como a história dos feriados atrofia tanto os políticos portugueses. para os mais novos, diga-se que quando cavaco silva foi primeiro-ministro sofreu uma das maiores descidas de popularidade ao decretar que os foliões do carnaval não teriam tolerância de ponto na segunda-feira. desde essa altura, sempre que se fala em colar os feriados que calham a meio da semana a uma sexta ou a uma segunda logo cai o pano sobre o assunto. ninguém quer mexer com hábitos tão enraizados.
o problema é que agora vamos ser obrigados a engolir várias tradições – em nome do défice que tão bem escondido foi durante os últimos anos –, e de uma forma pouco meiga.
no meio de tantos discursos, com alguns ridículos a advogarem a união nacional, fica a esperança daqueles que apelam à solidariedade. a vida será tão mais difícil quanto as pessoas só olharem para o seu umbigo. não há dúvidas que vão obrigar-nos a trabalhar mais, é uma inevitabilidade. mas que daí saia uma sociedade mais justa, onde os lucros sejam mais justamente distribuídos e não se alimente tanta ilusão. quantas famílias não estão neste momento com a corda na garganta por causa de empréstimos que lhes foram acenados à frente do nariz, sabendo os responsáveis bancários que estavam a contribuir para uma vida sem futuro? como foi possível, por exemplo, tornar lisboa uma das cidades mais caras no que ao imobiliário diz respeito? estariam os portugueses assim tão ricos?
o mercado tem de ser livre, mas se as pessoas não forem educadas a gastar só o que podem, não teremos grandes hipóteses de endireitar o futuro.
vitor.rainho@sol.pt