Essa sensação de impunidade que sentirá Assad e de injustiça que o seu povo sofre explica-se pelo cínico tabuleiro geopolítico das potências, no qual ora Kadhafi pode ser um bizarro aliado, ora um cão doido, como na célebre expressão de Ronald Reagan. Acontece que Damasco pode não ter o petróleo de Trípoli, mas está no centro do Médio Oriente e do mundo árabe, e não apenas no mapa. A Síria, governada pela minoria alauíta (aparentada aos xiitas e portanto naturais aliados do Irão) é um exemplo acabado da duplicidade de um regime sinistro. Abomina o fundamentalismo islâmico mas apoia os movimentos extremistas Hezbollah (no Líbano) e Hamas (na Palestina). Tem uma retórica impetuosa contra Israel e o Ocidente mas tenta aproximar-se dos Estados Unidos – o que explica a tíbia reacção de Washington.
Neste xadrez em que ninguém consegue fazer xeque-mate, o clã Assad aparenta manter os cordelinhos do poder, dominando a administração, as forças militares e de segurança e a economia. O oftalmologista Bashar é apenas um peão. Que numa rara entrevista ao Wall Street Journal, além de mostrar a incapacidade em reformar o país, teve um igualmente raro assomo de visão: «Se há água estagnada, há poluição e micróbios (…) Temos uma praga de micróbios. O que se vê nesta região é uma espécie de doença». Uma maleita que se curaria com liberdade e democracia, como os revoltosos exigem.