Santos Ferreira: ‘Não prevejo necessidade de recorrer ao fundo’

Em entrevista ao SOL no início do seu segundo mandato, Carlos Santos Ferreira quer falar pouco sobre o passado, preferindo focar-se nos desafios que o BCP e o país vão agora ter de enfrentar. Afinal, segundo as suas palavras, «são tantos e tão difíceis…».

que banco encontrou quando aqui chegou e que balanço faz do primeiro mandato?
os grandes desafios diziam fundamentalmente respeito a liquidez, à redução do rácio de transformação e a exigências de capital, que se colocaram logo em 2008. nessa altura, o bcp tinha um core tier i de 4,8%,

e os problemas de imagem?
a questão da reputação para mim hoje é uma matéria ultrapassada. o que importa são os anos que aí vêm e que vão ter em si desafios suficientes para esgotarem todo o nosso trabalho.

como avalia as medidas do pacote de ajuda para o sector financeiro, nomeadamente o reforço da supervisão dos bancos em termos de solvabilidade e liquidez?
ainda é cedo para avaliar. o sector financeiro português tem características próprias e tem sido resiliente ao longo desta crise, sem recurso a fundos de capitalização do estado. os bancos têm feito o seu trabalho de casa, com um esforço importante de desalavancagem e reforço dos capitais. o que é importante salientar é que a apresentação do plano ajuda a reduzir as incertezas, o que só pode ser visto como um factor positivo para o país e o sistema financeiro.

o que pensa sobre o aumento dos rácios de core tier i para 9% em 2011 e 10% em 2012? o bcp está preparado para atingi-los? e o sistema financeiro em geral?
é natural que as autoridades sejam ainda mais prudentes. no millennium bcp estamos a proceder a um aumento de capital e à conversão de dívida perpétua, que vai elevar o nosso core tier i para níveis perto dos 9%. e estaremos preparados com certeza para cumprir as exigências ao longo de 2012. além da operação em curso, temos várias opções para reforçar ainda mais o nosso rácio. não prevejo necessidade, neste momento, de recorrer ao fundo de capitalização.

mas no prospecto do aumento de capital assumem alguns riscos, como a entrada de capital do estado no bcp…
estamos a fazer um aumento de capital no momento em que está a decorrer o resgate do país e um prospecto tem de referir todos os riscos potenciais, mesmo que a sua probabilidade seja escassa. a nossa convicção é que não vamos precisar de capitais públicos para financiar o banco.

acha que é possível os outros bancos portugueses passarem por esta crise sem recorrem ao fundo de ajuda?
é sempre complicado falar sobre terceiros, mas nós acompanhamos a nossa concorrência de perto e, pelo que sei dos bancos com maior volume de activos como a cgd, bes, bpi e santander totta, não os vejo a recorrer ao capital público. mas não estou devidamente qualificado para falar.

se o pedido de resgate tivesse demorado mais, deixava a banca numa situação complicada?
a dificuldade da banca seria ver os colaterais reduzidos. todos temos, por prudência, excesso de colaterais sobre os valores que temos pedido [ao banco central europeu] e, ao ficarmos com os colaterais reduzidos devido à queda dos ratings, cada vez emprestaríamos menos. o risco era a paralisação da economia.

os banqueiros conversaram para se concertarem no apelo à vinda de ajuda externa?
não houve uma conversa específica sobre essa matéria, mas é claro que nestas alturas as instituições financeiras conversam e mantêm um contacto assíduo. mas, naquela altura em que fomos à televisão, aquele não era um problema de nenhum de nós, mas de todo o sistema. ninguém disse o que disse por si, mas para exprimir o problema do país.

desde o dia em que deu, na tv, o primeiro alerta de necessidade de portugal pedir ajuda, como é que vê o desenvolvimento dos acontecimentos?
durante muito tempo defendi que não era necessária uma intervenção e fi-lo convictamente. acreditava que tínhamos meios suficientes para aguardar por uma solução europeia melhor do que vamos ter. a partir de um certo momento, a queda dos ratings da república, dos bancos e das empresas causou problemas de financiamento ao estado e reduziu o valor dos colaterais dos bancos junto do banco central europeu (bce). em duas ou três semanas as agências destruíram o trabalho de anos. aquela sucessão de perda diária de valor interrompeu-se, mas a situação ainda está no limbo.

e acha que as agências de rating vão ser tão céleres a rever as avaliações em alta como fizeram em baixa?
as agências de rating tiveram graves responsabilidades na situação em que estamos e em todo este processo. já tinha sido assim nos eua. neste momento há quatro agências reconhecidas e exigidas pelo bce e pessoalmente tenho pena que, tendo-se desencadeado esta crise em 2008, a europa ainda não tenha sido capaz de criar uma agência de rating credível e capaz de exercer com profissionalismo as suas competências.

tem alguma expectativa de que com este resgate haja uma abertura dos mercados?
a minha veia optimista, que é grande, prevê que no espaço de meses os mercados possam abrir. mas, claramente, a abertura não será automática.

teme uma fuga de depósitos? os portugueses podem estar tranquilos?
se olharmos para países como a grécia ou a irlanda, que já foram objecto de resgate, os depósitos nunca foram postos em causa. este é o facto. além disso é preciso ressalvar que o sistema financeiro português, no seu conjunto, nunca apresentou prejuízos. e há ainda um outro ponto que deve ajudar a tranquilizar as pessoas: antes de haver um problema com os depósitos, já teve de haver com os accionistas, dívida perpétua, acções preferenciais e subordinadas, tudo… no dia em que houver uma corrida aos depósitos, o problema não é só dos bancos, é do país. não fica nada…

a reestruturação da dívida portuguesa faz algum sentido?
neste momento, acho que não faz nenhum sentido. mesmo pagando, o país tem um problema sério para resolver e eu sugiro que não se crie já outro que ainda é maior, que seria a consequência de não pagarmos. porque, afinal, a reestruturação é isso mesmo.

tania.ferreira@sol.pt  

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