BCP vai cortar no crédito à habitação

Em início do segundo mandato, Carlos Santos Ferreira quer falar pouco sobre o passado, preferindo focar-se nos desafios que o BCP e o país vão agora ter de enfrentar. Afinal, segundo as suas palavras, «são tantos e tão difíceis…».

os bancos têm de apresentar um plano de reestruturação ao banco de portugal, até junho. como vai ser o do bcp?
o que constará do plano em termos de liquidez, capital e rácios de transformação vai resultar do que agora ficou determinado no plano de auxílio.

o rácio de transformação passou de uma expressão praticamente desconhecida para a grande prioridade da banca portuguesa…
é verdade. os três pontos críticos da banca são liquidez, capital e desalavancagem. isso significa obter mais depósitos, reduzir o crédito ou um pouco das duas. mas já não há muito mais depósitos para ir buscar, sobretudo com as novas medidas de austeridade que levam à redução do rendimento disponível das pessoas.

resta cortar crédito?
sim, sobretudo no crédito à habitação, porque todos os anos há uma parcela significativa de crédito à habitação que é amortizada. no caso do bcp, todos os anos amortizamos cerca de 1,2 mil milhões de euros em crédito à habitação. se, por exemplo, concedermos crédito novo de 400 milhões, desalavancamos 800 milhões. isso é menos penalizador para a economia do que retirar este valor a um crédito concedido a uma empresa.

ou seja, vai privilegiar o crédito às empresas?
o crédito às empresas tem de ser privilegiado em detrimento da habitação. alguém disse, e eu concordo: entrámos na era do arrendamento. e acho que daí não vem mal ao mundo. nem para as famílias, nem para a banca.

e o bcp tem agora mais reservas em conceder crédito às empresas do estado?
vamos ter de ser mais selectivos e, provavelmente, face às escolhas que vamos ter de fazer, as empresas públicas são as que menos cumprem os critérios que definimos. para nós, em termos de país, é mais produtivo financiar empresas que exportem ou produzam, substituindo importações, do que outras empresas, sejam públicas ou privadas.

a desvalorização dos activos por efeito das agências de rating pode vir a impactar no balanço do bcp?
não. os activos que existem estão securitizados em pacotes que estão disponíveis para serem dados como garantia para pedir funding [financiamento].

o bce continuará a ser a principal fonte de financiamento?
como não é possível aumentar significativamente os depósitos em valor, o papel comercial do sistema financeiro está a desaparecer drasticamente, o mercado monetário interbancário está reduzido e o mercado obrigacionista está fechado, ainda conseguimos fazer repos e recorremos ao bce.

tem alguma carteira de crédito para vender?
temos várias preparadas, mas hoje as carteiras menos interessantes são claramente as portuguesas. para vender, só com grandes descontos, e essas perdas reflectem-se no resultado.

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