Das duas uma

NO PRIMEIRO artigo que aqui escrevi, perguntava-me para que serve um Ministério da Cultura (MC) em Portugal. E concluía: «A política da cultura, num país inculto, não deve privilegiar o apoio directo aos criadores, mas sim a criação de condições para que eles encontrem um mercado para as suas obras.

a prioridade não deve ser o subsídio aos artistas, mas a criação de públicos: o que nos falta são leitores, ouvintes e espectadores. e isso não é tarefa do mc, mas de outros dois ministérios: o da educação e o das comunicações, que tutelam, respectivamente, esses dois instrumentos decisivos para a cultura de um país, que são as escolas e a televisão». a verdade é que, até hoje, nenhum governo ousou questionar se a concentração dessas tarefas no mc é a melhor maneira de o estado impulsionar as artes, garantir o acesso dos cidadãos à cultura e melhorar a sua formação. continuo a pensar que não é.

na passada segunda-feira, realizou-se no s. jorge uma sessão onde foi debatida a gestão do património, na presença do secretário de estado da cultura, elísio summavielle. mesmo se esta é apenas uma das áreas em que o mc intervém, as queixas e as propostas foram mais do que muitas, mas vão cair em saco roto. no mesmo dia, na spa, debateu-se o novo projecto de lei sobre cópia privada, que vai ficar na gaveta, à espera do próximo governo, à semelhança de muitos outros diplomas que gabriela canavilhas preparou (entre os quais a nova lei de cinema), e que, independentemente dos seus méritos, irão morrer ingloriamente numa gaveta do palácio da ajuda.

o mc vive há anos na precariedade, no improviso e na dança de directores. porquê? porque não há uma sólida tradição, uma boa prática nem um largo consenso sobre o papel do estado nesta área, e nenhum governo até hoje ousou pôr em questão a ideia de centrar no mc a política das artes vivas e do património. os programas dos partidos nesta área, com excepção do cds, são nulos ou absurdos. e a hipótese de haver nos próximos anos um primeiro-ministro com ideias claras sobre o assunto é praticamente nula. a tendência vai continuar a ser para o próximo primeiro-ministro se engalanar com o nome sonante de um artista reformado ou de um intelectual a meio tempo, ao qual entrega, depois, a liberdade de improvisar um programa. os resultados têm sido desastrosos, porque, ao contrário dos outros ministérios, onde se exige um mínimo de competência técnica na área, um artista ou um intelectual, por mais brilhante que seja, não é necessariamente um bom político. o que tem contribuído para que, à excepção de carrilho, que se aguentou quatro anos no primeiro governo guterres, o que lhe deu tempo para definir prioridades e estratégias (mesmo se discutíveis), nenhum mc durou mais do que dois anos! entre 1999 e 2011, sucederam-se: sasportes, santos silva, pedro roseta, m. joão bustorff, isabel pires de lima, j. antónio p. ribeiro e canavilhas! o mc está condenado a continuar a ser um implacável destruidor de reputações, um cemitério de promessas e um triturador de expectativas.

apvasconcelos@gmail.com