Mentiras e vídeos

Há personagens que mentem tão convictamente que acredito que acreditam no que dizem. Uma mentira repetida tantas vezes, acaba por ser verdadeira

os mais antigos lembram-se facilmente de uns personagens da extinta feira popular de lisboa que apregoavam que ia ‘andar à roda’, quando momentos antes tinham mostrado um conjunto de panelas ou tachos que sairia em sorte ao feliz contemplado com o número premiado. recordo-me que, apesar não ver qualquer interesse no prémio, sentia-me tentado a observar o jogo. a voz fanhosa que saía de um microfone já com muito uso tornava-se atraente.

esta semana ao assistir a um programa de televisão, mais concretamente a uma comunicação ao país, pensei por momentos nos tais personagens da feira popular que apregoavam muito bem. hoje em dia, na televisão, não há nada que não se queira impingir. o país está à beira da bancarrota? mentira, diz um convicto vendedor. «não acreditem nos mensageiros de más notícias, pois o país está esplêndido e eu vou transformá-lo num jardim com mais flores ainda».

a comunicação, além do vendedor da feira popular, fez-me lembrar também o filme o padrinho, numa cena em que a família corleone vai buscar à sicília um parente de um delator, conseguindo com a presença desse tio italiano que o sobrinho não abrisse mais a boca em tribunal. é evidente que não estamos a falar de mafiosos, no que à comunicação diz respeito. mas que alguém precisou de credibilidade e foi buscar o homem que tem sido o bode expiatório, parece-me evidente. por que razão este aceitou fazer tal papel, ultrapassa-me em muito. apenas acredito que é um homem de bem e que acha que o país precisa deste seu sacrifício. mas é incompreensível o seu silêncio depois de ser achincalhado na praça pública.

após a comunicação, não pararam de chover sms e emails de pessoas verdadeiras estupefactas com tais novidades. «vocês são uns aldrabões. então estamos na maior e insistem em dizer que é preciso poupar e que os tempos que se avizinham não auguram nada de bom?», leio numa das tais cartas electrónicas. sem saber o que responder, mudo de canal e aguardo pelas últimas notícias frescas sobre a morte de bin laden. afinal, nunca se soube tanta informação sobre um atentado como agora. até temos direito a imagens do quartel general do presidente americano a assistir à operação que levou à morte de um dos homens mais odiados do planeta.

confesso a minha estranheza pela quantidade de informação divulgada, mas acredito que faça parte de uma estratégia para acalmar o mundo islâmico. ou será apenas para vender a ideia que o bem prevalecerá sempre sobre o mal?

é natural que com tantos vendedores nos tornemos cépticos. e comecemos a questionar tudo o que nos dizem.

vitor.rainho@sol.pt