perdidos estão aqueles que não têm razão para enlouquecer de amor». a frase não é minha nem de outro escritor, mas de um amigo de longa data, um financeiro gay feliz e realizado que nasceu no rio de janeiro e vive em nova iorque.
o brasil é um país onde o pecado passa por blasfemar, roubar ou matar e não pelos pecados da carne. aliás, como diz a canção, não existe pecado do lado de baixo do equador. o paralelo mais importante do globo também marca a fronteira entre a liberdade sexual a sul e o preconceito católico que ainda ensombra as culturas europeias latinas e que alastrou para o norte do novo mundo. do lado de cima somos pudicos, moralistas, dissimulados e problemáticos com o nosso corpo; do lado de baixo eles são dados, permissivos, sinceros e resolvidos. para eles o corpo é o maior instrumento de prazer que o ser humano pode conhecer e explorar sem limites e o coração é o músculo do amor por excelência.
os brasileiros não têm medo de cantar o amor, de revelar publicamente que estão apaixonados e de chorar os amores perdidos. ninguém canta tanto o amor como eles e ninguém o canta tão bem. o amor no brasil é uma crença tão forte como o samba e o futebol – corre-lhes no sangue e transpira-lhes nas carnes em generosidade e sem culpa.
no bairro nova-iorquino de chelsea, os casais de gays passeiam-se de mão dada sem pudor nem vergonha. todos sabemos que manhattan é uma ilha em todos os sentidos. este lugar, que é tanto do mundo como da américa e onde tudo é possível e permitido, acaba do outro lado do rio houston.
percebo que a imagem de dois homens de mãos dadas a céu aberto irrite os machos mais empedernidos, mas a verdade é que o amor – essa mistura de reacções químicas que nos faz sentir que somos mais leves do que o próprio ar – não escolhe credos, nem idades, nem sexos. feitas as contas, é preferível viver num lugar em que a liberdade vigente inclua a liberdade sexual do que sobreviver num país no qual o regime político prenda e condene um ser humano por amar pessoas do mesmo sexo.
o meu amigo é encantador, romântico e fogoso; como é comum entre os gays, oscila entre fases de grande variedade de parceiros e fases monogâmicas quando está apaixonado. não tem tiques de gay e trata todos os seres humanos com delicadeza e educação. ri e festeja o amor quando está feliz, chora e protesta quando este se perde ou se desfaz. também se queixa dos malefícios da rotina e do desinteresse sexual que tantas vezes se instala nas relações estáveis.
quando conversamos sobre amor, não usamos só as mesmas palavras, também falamos a mesma língua. se o tema é a celebração de uma história de amor, exultamos da mesma forma. e quando nos entristecemos, choramos as mesmas lágrimas. tal como eu, ele distingue o tesão da paixão, o amor romântico do amor fátuo, a pura atracção física do envolvimento sério e profundo. é um homem que ama homens e essa é a única diferença. diferente e igual a mim, igual a todos os homens e mulheres que acreditam que perdidos estão aqueles que não têm razão para enlouquecer de amor.