não é simpático sofrermos desalmadamente por termos de deixar de fazer algo de que gostamos. o corpo fica dorido, não percebemos se são sintomas de uma forte gripe ou de dependência, a garganta como que suplica por aquilo que está em falta, a disposição fica a um nível mais baixo do que as temperaturas no pólo norte, mas há pouco a fazer: ou se cede ou procura resistir-se. é óbvio que é bem mais fácil ceder do que sofrer. falo da tentativa de deixar de fumar, coisa que muitos milhares tentam todos os dias. para um fumador, o momento em que se acende um cigarro depois de uma refeição é algo sublime; o mesmo acontece quando se está numa roda de amigos e se desfruta de um bom papo. não faltam pois razões para se fumar, não fossem as contra-indicações. e essas, de acordo com o momento que cada um atravessa, podem fazer-nos ter força para respirar um pouco melhor, mas sem dúvida mais infelizes.
tentei ao longo destas linhas descrever o que amigos meus passaram quando tentaram deixar de fumar. alguns chegaram mesmo a tornar-se de tal maneira insuportáveis que quase se separaram. cheguei a aconselhar o regresso ao fumo a alguns, tal era o seu mau feitio. das três vezes que tentei deixar de fumar não fiquei o ser mais sociável, embora saiba que hei–de chegar lá, a não fumador, entenda-se. se um fumador sofre horrores por querer deixar de o ser e não consegue, muitas das vezes, o que sentirão pessoas com pancadas estranhíssimas, apesar das vidas ‘quase perfeitas’ que levam? apenas lhes resta tratarem-se, o que no caso do senhor fmi, strauss-kahn, ao que tudo indica será numa prisão nova-iorquina com vista para o rio e, provavelmente, com a companhia do rapaz que, supostamente, matou o suposto jornalista carlos castro.
strauss-kahn, se fosse português e tivesse cometido em território nacional os crimes de que é acusado, poderia contar, no máximo, com meia dúzia de anos na cadeia. mas o último dos actos tresloucados que terá cometido foi em território americano, onde abusos sexuais tornados públicos são dos maiores crimes da nação. um fumador castiga-se a si próprio, um violador deixa marcas profundas nas vítimas. pelo que se lê, é difícil conseguirem livrar-se do mal – basta recordar os testemunhos do violador de telheiras. mas se não tiverem força para o fazer, mais cedo ou mais tarde acabarão por ser apanhados. quando se ganha excesso de confiança, cometem-se erros. o homem forte do fmi ter-se-á convencido de que era deus, de acordo com o que se sabe, e nunca deixou de prevaricar. não deixa de ser irónica a alegria de gregos, irlandeses, portugueses e franceses pelo desfecho deste caso… que ainda não acabou! é uma alegria de fumador que deixou de o ser há um dia…
vitor.rainho@sol.pt