na mesma semana dois livros singulares aterraram na minha secretária: um rapaz às direitas de odette de saint-maurice, agora reeditado pelo clube do autor, e o fim da inocência, de francisco salgueiro. a leitura rápida do segundo e a revisitação do primeiro fizeram-me pensar nas diferenças abismais entre a juventude dos anos 60 e a de agora. em vão procurei alguma semelhança, parecença ou coincidência entre os dois livros que fazem retratos geracionais e não encontrei nada. foi desolador.
um rapaz às direitas foi o primeiro grande sucesso de odette de saint-maurice. a par com virgínia de castro e almeida, que lhe é um pouco anterior, saint-maurice foi uma das escritoras juvenis mais importantes do seu tempo, com vendas dignas de bestseller. com 15 anos, eu lia os seus livros, que me agradavam, embora sentisse a narrativa um pouco pueril e algo forçada, naquele sentido normativo tão castrador, próprio do estado novo.
o romance conta o dia-a-dia de uma família portuguesa exemplar – um pai estruturante e uma mãe atenta e adorável e os três filhos, pedro, anita e salta-pocinhas. pedro, o mais velho, é bom aluno e vive em permanente competição com o outro melhor aluno da escola, o paulo, de quem aprende a ficar amigo.
em o fim da inocência, francisco salgueiro relata factos verídicos que lhe foram confidenciados por uma adolescente portuguesa em tom de diário secreto: inês, uma jovem de classe alta, cujos pais estão sempre a viajar, descreve sem pudor a sua vida e a dos seus amigos, na qual o sexo ocasional e mecânico, o consumo de drogas constante e a sede de novas experiências transformam os dias num turbilhão de sensações descontroladas. a narrativa é tão crua que várias vezes senti aquele aperto no estômago que antecede o vómito.
a nota final deste relato, notavelmente articulado pelo autor, não deixa dúvidas. segundo inês, nada do que foi relatado é fantasia. pode parecer vindo de um filme, mas a nossa geração é muito diferente das anteriores. temos demasiada informação e demasiados meios ao nosso dispor. cada vez mais novos sofremos muitas pressões quanto ao sexo e às drogas. os pais e os educadores têm de nos ajudar a decidir desde muito cedo. precisam de se adaptar à realidade do século xxi.
ambos os livros, por razões opostas, deviam constar de um programa de leitura obrigatória para pais em missão educadora. mas, para tal, é preciso aceitar que esta realidade existe.
nos anos 50, pedro era certamente um rapaz de 15 anos com a sua sexualidade reprimida, que mal podia dar um beijo a uma miúda. em 2011, inês, com a mesma idade, já experimentou um número infindável de posições e de parceiros e parceiras sexuais, já conhece todas as drogas, já viu um amigo morrer à sua frente num acidente de carro e a sua melhor amiga ficar em coma. pedro está cheio de sonhos, confiante no futuro, orgulhoso de ser um rapaz às direitas. inês está esgotada, desiludida, infeliz e sem sonhos.
entre um extremo e o outro, vale a pena reflectirmos em conjunto e repensarmos como podemos ajudar os nossos filhos, para que aprendam a proteger-se, porque no mundo em que vivemos já não o conseguimos fazer. como diz a inês, precisamos de nos adaptar à realidade do nosso século, que transformou o sexo numa indústria e numa diversão, da qual os nossos filhos são as grandes cobaias.