BE: Voz própria

As respostas de Catarina Martins, do Bloco de Esquerda.

o be defende a existência de um ministério ou de uma secretaria de estado ou outra formulação?
a existência de um ministério, com lugar no conselho de ministro; uma voz própria no governo e capacidade de diálogo com todos os sectores. a cultura é um sector tão transversal como a economia, o ambiente ou o trabalho e assim deve ser tratada. sabemos que neste momento, depois da desagregação e desorçamentação de que tem sido alvo, o ministério da cultura corresponde mais à ideia de uma secretaria de estado e tem tido uma política de príncipe que vai distribuindo umas esmolas em vez de uma estratégia a longo prazo e de serviço público. mas o caminho não pode ser aprofundar o que está mal. deve ser sim repensar o ministério da cultura e as suas múltiplas competências e obrigações.

qual a fatia/percentagem do orçamento do estado que um governo apoiado pelo be deve destinar à cultura?
um 2011 o orçamento para o ministério da cultura é cerca de 0,2% do orçamento do estado; de longe o ministério com menos orçamento. o actual desinvestimento coloca em causa o património, a criação artística e o acesso da população à cultura, mas também cria a situação paradoxal de desperdício de fundos. é que os custos fixos das instituições culturais, em grande medida, mantêm-se, e por isso os cortes incidem nos meios para programação e divulgação, perdendo público e actividade, perdendo capacidade de angariar outras receitas. a nossa proposta é que, ao longo dos 4 anos da próxima legislatura, se chegue ao mínimo da decência de 1% do orçamento do estado. e apontamos como meta já para o próximo ano um orçamento de 400 milhões de euros, cerca do dobro do orçamento deste ano. para que nisto dos milhões não percamos as referências, e se perceba como é mínimo o orçamento da cultura, vale a pena lembrar que no bpn o estado absorveu um buraco financeiro equivalente a um quarto de século, 25 anos, de funcionamento do mc.

é importante apoiar a indústria cinematográfica em portugal? de que forma?
sim , é importante. face à agressividade da indústria cinematográfica e audiovisual internacional, nomeadamente a norte-americana, as políticas públicas são essenciais para garantir a existência do cinema e do audiovisual português e europeu, para assegurar a nossa capacidade de construir as imagens e narrativas do que somos. é necessário financiar, ter capacidade estratégica no apoio à produção (e é por isso um erro a delapidação e alienação da tobis, por exemplo) e garantir possibilidades de exibição tanto em sala como em televisão. tem aqui um papel importante a rede de cine-teatros, mas também é preciso responsabilizar os distribuidores comerciais (em portugal , a zon lusomundo usufrui de uma situação de monopólio). e é necessário ir mais longe aprofundando uma norma que já existe na lei da televisão: os operadores devem contribuir financeiramente, mas devem também inserir a produção nacional de cinema e audiovisual na sua programação. não tem sentido produzir e não exibir.

está a favor do financiamento do cinema através das receitas das televisões e das operadoras de telecomunicações?
sim. é natural que quem gera muitos lucros pela distribuição massiva dos filmes, séries e todos os outros produtos audiovisuais das multinacionais do sector, contribua com uma pequena parte dos seus lucros para financiar a existência de cinema português. esta é uma forma de financiamento do cinema comum a diversos países europeus.

quem deve escolher os filmes a apoiar: um júri, os operadores que contribuem com as receitas…?
júris. os operadores terão sempre a possibilidade de financiarem directamente o que bem entenderem. mas aquilo que são receitas arrecadadas pelo estado para um fim público não pode ter o seu uso determinado pelos interesses privados. essa é uma das razões para que o fica não tenha tido qualquer sentido e hoje é consensual no sector que este modelo foi um erro.

devem ser distribuídas verbas para apoiar artistas portugueses em estágios ou residências artísticas no estrangeiro?
devem existir programas que permitam a internacionalização dos artistas portugueses e a sua formação. são duas coisas diferentes e ambas importantes. não tem sentido falar em distribuição de verbas. o ministério da cultura não pode ser um saco azul com distribuição discricionária. deve desenhar programas consistentes, a prazo, com objectivos claros e avaliados regularmente com base nos quais financie a internacionalização e a formação.

o estado deve apoiar a tradução de obras literárias portuguesas?
sim. mas, mais uma vez, apoiado em programas. e sem esquecer a distribuição do que é traduzido. vezes demais a inexistência de estratégia desperdiça recursos numa área que tem tão poucos. é preciso assegurar o fim público dos investimentos. e é necessário pensar o papel do instituto camões, que assume hoje as obrigações de internacionalização da nossa língua e literatura. o instituto camões, à semelhança de outras entidades europeias congéneres, deve ter um estatuto de verdadeira agência governamental, com orçamento capaz e autonomia, ainda que em estreita ligação com os ministérios dos negócios estrangeiros e da cultura.

como vai ser apoiada a programação das redes de teatros municipais?
o be defende a criação de legislação que acabe com os ziguezagues permanentes de políticas e institua uma lógica de serviço público na rede de teatros e cine-teatros, que a parametrize, com financiamento solidário entre estado central e poder local. são necessárias regras que garantam o funcionamento destes equipamentos em todo o território, com a autonomia da direcção artística face ao poder político, programação plural e regular, responsabilidades de apoio à criação local e circulação de programação nacional e internacional. mas, mais uma vez, com transparência, com acompanhamento e avaliação regulares.

o são carlos e a companhia nacional de bailado devem continuar a ser geridas conjuntamente?
não. foi um erro e é preciso corrigi-lo. a auditoria do tribunal de contas é esmagadora: com a fusão a companhia nacional de bailado quase se eclipsou. e no teatro nacional são carlos também se multiplicam problemas. duas estruturas de gestão mais leves tornariam tanto o teatro nacional são carlos como a companhia nacional de bailado mais ágeis e capazes de potenciar o investimento público. é também o que defendemos para os teatros nacionais d. maria ii e são joão. autonomia, missões claras e publicamente debatidas, orçamentos plurianuais, fim da subalternização da direcção artística a estruturas de gestão pesadíssimas e concursos para a direcção.

como se pretende promover a criação de novos públicos fora dos grandes centros urbanos?
é essencial promover o acesso da população à arte e à cultura, também nos grandes centros. a necessidade de criação de públicos faz-se sentir, ainda que de formas diferentes, em todo o território. e essa é uma conquista que depende da capacidade de tornar a arte e a cultura presentes na escola e no quotidiano, encaradas como áreas de conhecimento e instrumentos de cidadania qualificada. e portanto está ligada a todas as políticas públicas para a cultura, mas também para o ensino. há três áreas muito sensíveis neste processo que são responsabilidade directa do ministério da cultura em articulação com as autarquias: o apoio ao associativismo cultural e ao cineclubismo, a implementação de serviços educativos e de mediação cultural com actividade contínua e regular nos equipamentos públicos de cultura (bibliotecas, teatros e cine-teatros, museus e monumentos) e a promoção da articulação em rede dos equipamentos, tanto a nível nacional (rede de bibliotecas públicas, rede de teatros, rede de museus) como municipal (rede de equipamentos culturais e educativos).

que apoios devem ter as fundações?
a figura das fundações tem sido usada para situações muito diversas. e o be é muito crítico em relação a esta forma de gestão que entrega às regras do direito privado a gestão de património público. e portanto o primeiro passo será extinguir as fundações que não têm razão de existir. nas outras, terá de se analisar caso a caso a pertinência do apoio público, consoante os fins públicos que prosseguem.

no organigrama do ministério da cultura que institutos devem ser eliminados?
o ministério da cultura tem 4 institutos, nas áreas do património arquitectónico e arqueológico, museus e monumento nacionais, museu e arquivo do cinema e audiovisual. este não é um tema central, no caso do mc.

foi extinta a direcção-geral do livro e das bibliotecas. que apoios devem ser dados às bibliotecas públicas?
a dglb continua a existir, mas sem director-geral. é uma situação algo absurda e que contestámos: a função de investigação e conservação da biblioteca nacional é muito diversa da função de difusão da dglb. as bibliotecas públicas são o primeiro garante do acesso à informação, à cultura e ao conhecimento. são o serviço público de base na área da cultura e uma dimensão essencial da democracia. o be defende a criação de legislação própria, seguindo as recomendações da unesco, que garanta que toda a população, e em todo o território, tem acesso gratuito a serviços bibliotecários de qualidade e em horários alargados que permitam a sua real fruição.

como deve ser feita a gestão dos museus e dos monumentos nacionais?
no oposto do que está a ser feito. neste momento as limitações são de tal ordem que as despesas correntes dos museus e monumentos são pagas directamente pelo imc. uma centralização absurda, que nasce da desorçamentação, e tolhe a capacidade de acção dos museus e monumentos. os museus e monumentos, nomeadamente os nacionais, têm responsabilidades em três áreas: conservação, investigação e acesso público. e neste momento não têm as condições necessárias para prosseguir estas funções; é necessário orçamento, autonomia e estabilidade. e é essencial fazer um levantamento do património cultural material e imaterial e criar estratégias a prazo da sua promoção. não tem sentido inventar museus ao sabor dos responsáveis políticos do momento; é necessária que as decisões assentem em critérios museológicos.

as entradas nos museus devem ser gratuitas ou suportadas pelos visitantes?
a gratuitidade dos museus é, se devidamente enquadrada por políticas e financiamento públicos, um instrumento importante de democratização cultural. a colecção berardo ganhou muito público em pouco tempo porque nunca cobrou entradas. mas existe um outro caminho, que, na actual conjuntura, parece ser mais exequível: a criação de passaportes culturais municipais e intermunicipais que ofereçam à população onde está inserido acesso gratuito ao museu ou monumento, que continua assim a ter possibilidade de cobrar entradas aos turistas.

que ligação deve o mc ter com o ministério da educação?
o mc tem de ser parceiro do me na definição e execução das políticas públicas em três áreas: ensino artístico, ensino das artes no ensino regular e ligação da escola aos equipamentos e actividades culturais. neste momento o ensino artístico está muito fragilizado, não há quase presença das artes no ensino regular e o contacto entre escolas e equipamentos culturais varia muito com os responsáveis de cada momento. a presença da arte na escola é essencial à formação dos cidadãos e de públicos da arte, e é necessário que, nestes 3 planos, se criem raízes e estabilizem práticas e políticas. a revisão curricular e o acesso à carreira docente dos professores do sector das artes são centrais neste processo.

que tipo de apoios devem ter os jovens criadores? bolsas através da dgartes, ou outro tipo de incentivos..?
na última legislatura foi aprovada uma recomendação da assembleia da república, por proposta do be, para a criação da modalidade de apoio às primeiras obras nas áreas em que ainda não existe. essa recomendação não foi ainda posta em prática e deverá sê-lo quanto antes. e é necessário aumentar as verbas disponíveis para financiamento na dgartes e no ica, que são tão exíguas que deixam muitos projectos importantes para o país de fora, nomeadamente, os projectos das jovens gerações de criadores. é ainda necessária uma avaliação dos financiamentos atribuídos, para que respondam tanto à necessidade de estabilização e desenvolvimento do trabalho artístico ao longo do tempo, como de renovação. finalmente, as bolsas são um instrumento importante de formação, que, mais uma vez, devem obedecer a programas estratégicos.