Manter o véu

Bebés de colo, de carrinho, tias solteiras e viúvas – todos se sentaram numa plateia improvisada para assistir ao espectáculo da dança do varão.

é oficial: a dança do varão entrou na vida das famílias portuguesas. pelo menos de algumas. constatei o facto quando fui convidada para o aniversário de uma amiga, que o festejou em casa de outra amiga para mim desconhecida, a qual dá aulas de dança do varão em casa por pura carolice.

o pudor impediu-me de perguntar à anfitriã se já tinha sido profissional da coisa, mesmo antes de perceber que tal dúvida se viria a revelar ociosa, depois de a ter visto pendurada de cabeça para baixo só pelas coxas durante mais tempo do que seria expectável para um amadora. aquilo que parecia um hobby, afinal só podia ser o resultado de árduos e continuados anos de treino, esforço e dedicação.

além da dona de casa, um grupo de amigas/alunas da mesma levou a cabo uma exibição em conjunto e em separado que me fez pensar quantas horas por dia, quantos dias por semana e quantos meses por ano seriam necessários para chegar a tanta competência. além do talento natural, claro está, que é necessário para que tais coreografias do foro erótico-acrobático não resultem vetustas, desajeitadas e por isso mesmo ridículas. fiquei impressionada.

mas o que mais me impressionou foi o à-vontade com que todos os amigos e pessoas da família da aniversariante assistiram ao show; bebés de colo, de carrinho, crianças com três e seis anos, pré-adolescentes, tias solteiras e viúvas – todos se sentaram numa plateia improvisada para assistir ao espectáculo, como se de uma matinée em família se tratasse. e de repente lembrei-me da lassie, da my fair lady, do et e de outros clássicos que fazem parte da categoria eterna dos filmes de família e dei comigo a pensar: bolas, o mundo está a mudar mais depressa do que eu pensava, se calhar estou a ficar fora de moda, se calhar já não tenho pedalada para isto.

pensei que conseguia conservar o espírito jovem até morrer, tal e qual como a minha mãe ou como a helena sacadura cabral, mas depois percebi que a minha mãe ou a helena sacadura cabral teriam pensado exactamente o mesmo do que eu perante tal quadro. sem juízos de moral, digam o que quiserem, a dança do varão não é aconselhável a menores de 16, tal como certos filmes, também eles grande clássicos, como emanuelle e o último tango em paris.

a informação sem critério que passa para as gerações mais novas pode ter consequências imprevisíveis. estarei a ficar moralista? nada disso, apenas perplexa e ligeiramente desconfiada. faz-me alguma confusão a total ausência de pudor; é como aquelas pessoas que têm a mania de andar nuas em casa. até pode ser confortável, relaxante e libertador, mas bonito não será.

o pudor é um valor. em demasia torna-se numa grande chatice, mas sem ele muita da magia do erotismo e do mistério que existe – ou devia existir – na sedução e no acto sexual, perdem-se. fica tudo insonso, desenxabido e sem graça. há que saber manter o véu no lugar. sem véu, não há mistério. e sem mistério não há conquista. e sem conquista, não há quase nada. volta querida lassie, estás perdoada.