como passo anos da minha vida fechada em casa a escrever, de vez em quando gosto de me sentar num banco de jardim e ficar-me por ali a observar o mundo. às vezes, oiço conversas extraordinárias, frases soltas no ar que se desenham na minha imaginação quais pérolas e que se revelam matéria-prima de alta qualidade para a construção de personagens e desenvolvimento de enredos. há muitos anos que aprendi que a realidade supera sempre a imaginação – por isso, o melhor é ter o radar ligado porque as grandes histórias, as grandes frases e as grandes personagens estão em todo o lado. só é preciso ter a percepção treinada para as ver, as ouvir e as apanhar.
no entanto, a minha experiência mais recente no banco do jardim consistiu na observação intuitiva do comportamento dos pombos. são sempre muitos, e todos iguais, e todos muito feios. mas nestas comunidades, como aliás em todas, cada um tem direito à sua vida e faz dela o que entende.
talvez porque a primavera está ao rubro, vi vários pombos cada um a perseguir a sua pomba e constatei que a metodologia, o processo e o resultado eram iguais: a pomba está parada a pensar na sua vida quando o pombo a fixa. depois de alguma hesitação, o pombo inicia a sua dança, arrulhando e girando sobre si mesmo. a pomba observa-o mas não lhe dá confiança e acaba por lhe virar as costas, ou seja, as penas, e dá três passinhos incipientes. o pombo dá três passinhos atrás dela. ela pára, ele pára. ela dá mais três passos, ele segue-a. ela estanca de novo e ele imita-a.
já visivelmente chateada por ter o pombo à perna, ou seja, à pata, a pomba levanta voo de repente e o pombo faz o mesmo. ela dá três voltas ao jardim e depois pousa mais ou menos no mesmo sítio e ele também. ela dá mais três passos, ele idem. ela pára de novo, ele pára também. e, finalmente, farta daquilo, a pomba entra em resistência passiva à la gandhi e fica imóvel. o pombo rodeia-a durante algum tempo e só então desiste.
«when the girl stops running, the boy stops chasing», explicava um jovem à namorada quando esta se queixava de ele já não olhar para ela desde que tinham ido viver juntos. pombos e homens precisam de correr atrás das fêmeas. a conquista aguça-lhes o instinto, faz com que se sintam mais fortes. e o papel das pombas é cansá-los, pôr a rapaziada a correr e a voar, fazê-los suar as estopinhas. um homem que se preze tem de estar sempre en garde – ou para conquistar a sua dama ou para a manter conquistada. tomar a presença de uma mulher na vida de um homem como garantida quando ela se queixa é o mesmo que ver o oceano a recuar e não fugir do tsunami que se anuncia. quer seja na fase da conquista ou na da manutenção, é preciso um tipo mostrar que veste a camisola e que dá o litro pela sua eleita.
todas as mulheres que valem a pena são de alta manutenção e as que não são, ou não valem a pena ou andam distraídas com outro passarão e poderão bater as asas e voar quando menos se espera.
pombos à parte, é preciso levar as relações a sério – por isso há que estar sempre em cima da jogada e não deixar de correr atrás do que é importante.