agora que o programa acaba de ser apresentado em detalhe, não resisto a voltar ao tema. vejamos o que nos prometem: como aperitivo, uma série de dez filmes de 26 minutos sobre temas relacionados com guimarães (vá lá!), que foram confiados a dez realizadores portugueses, cuja lista pode ser consultada no site; e um concurso destinado a jovens cineastas, a cujo vencedor será entregue o prémio novaes teixeira, uma grande figura do século xx português, natural de guimarães (1899-1972), que viveu em espanha durante a república e a guerra civil, perseguido depois por salazar e exilado político no brasil e em frança, grande jornalista, amigo de buñuel, um homem notável de quem tive a honra de ser amigo, e a quem será igualmente dedicado um documentário, o que é, sejamos justos, uma forma de reparar este esquecimento de quarenta anos.
até aqui, ainda vá. mas, segundo joão lopes, o responsável pela programação, «a produção audiovisual mais mediática do evento» será uma montagem de seis curtas-metragens da autoria de seis autores, cuja razão da escolha e relação entre si deixo ao leitor descobrir: dois portugueses (manoel de oliveira e pedro costa), um finlandês, aki kaurismäki, o espanhol-basco victor erice, o suíço jean-luc godard e um sexto nome sobre o qual se mantém algum suspense. godard já avisou que não conta pôr os pés em guimarães (onde é que isso fica?), mas que, em contrapartida, vai aproveitar o financiamento da cec para voltar a sarajevo, onde, em 2003, realizou um documentário, je vous salue sarajevo, sobre a capital da bósnia-herzgovina. para justificar esta extravagância, o arguto joão lopes esclarece: «se há coisa que quisemos evitar, foi o cliché da memória da cidade. não pedimos a ninguém que venha filmar o castelo de guimarães. quisemos abrir o leque de possibilidades temáticas e artísticas», avisa o douto joão lopes, que explica que o filme irá tratar (sic) «da questão central da memória histórica».
não tive ainda oportunidade para avaliar como será gasto o resto do dinheiro que o ministério da cultura e a câmara de guimarães generosamente puseram à disposição da fundação que foi criada para gerir o evento e que, tanto quanto sei, em matéria de programação, não tem que dar satisfações aos seus beneméritos. mas temo que o rei fundador, que vai ser ignorado nestas celebrações audiovisuais, desça do seu pedestal e desate à espadeirada nestes basbaques, agora promovidos a ‘programadores culturais’, que tomaram de assalto a cidade onde ele nasceu e onde travou a famosa batalha de s. mamede de que, pode dizer-se, nasceu o reino de portugal. mas isso são clichés.
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