Salário médio sofre ‘estranha’ subida

A nova série de inquéritos ao emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE), iniciada no primeiro trimestre deste ano – e que levou a uma revisão em alta dos números do desemprego –, traz também surpresas a nível de salários.

de acordo com o organismo de estatística, o vencimento médio em portugal situou-se em 813 euros líquidos, um valor 5% mais alto do que no mesmo período do ano passado e 3,6% superior face ao último trimestre de 2010. o ine alerta que os dados não são directamente comparáveis, devido a uma mudança metodológica, mas os economistas cantiga esteves e césar das neves confessam-se surpreendidos com os valores apurados.

as estatísticas do emprego relativas ao 1.º trimestre de 2011 representam uma nova série do ine, devido a uma novo método de recolha de dados, que passou a incluir entrevistas por telefone, em vez de serem feitas exclusivamente por questionários presenciais. esta mudança fez com que a taxa de desemprego aumentasse: com a nova metodologia, foi de 12,4%, com uma população desempregada de 689 mil indivíduos. com o método anterior, a taxa seria de 11,4% e a população desempregada de 633,3 mil indivíduos, calculou o ine.

os dados do primeiro trimestre mostram também que o salário médio em portugal foi de 813 euros. uma comparação directa com o valor registado no mesmo trimestre do ano anterior, ainda com a série antiga, resultaria numa subida do vencimento médio de 5%, o maior crescimento homólogo desde 2005. num ano de crise intensa, em que a contenção salarial está a ser seguida pela generalidade das empresas, seria uma evolução pouco lógica. contudo, o ine, questionado pelo sol, salienta que esse cálculo não deve ser feito, uma vez que os valores «não são directamente comparáveis com os da série anterior». o organismo não calculou o salário médio deste ano com a metodologia anterior, como fez para o desemprego, pelo que fica por conhecer a real evolução deste indicador.

joão cantiga esteves, docente no iseg, confessa alguma «surpresa» e «inquietação» perante os dados do ine. mesmo que a subida do salário médio seja explicada unicamente pelo novo método de recolha de dados, o economista entende que isso significaria que os custos do trabalho em portugal têm vindo a ser «subestimados» ao longo do tempo. «se a nova metodologia vai no sentido de maior rigor, transparência e adesão à realidade, isso significa que a perda de competitvidade do país é superior ao que imaginávamos», sustenta.

joão césar das neves, docente da universidade católica, tem uma visão diferente: «o que conta para a competitividade não é o nível, mas a variação. ou seja, seria preciso recalcular os valores antigos com a nova metodologia e ver o crescimento verificado na série corrigida», explica.

o economista considera que os valores do ine_são «muito estranhos», mas admite a possibilidade de serem explicados pelas pessoas com salários baixos que perderam o emprego, e que por isso deixam de contar e fazem subir a média. e deixa um alerta: «quando se usam indicadores pela primeira vez, é preciso ter muito cuidado, porque acontece frequentemente estar-se a medir uma coisa diferente do que se julga».

joao.madeira@sol.pt