Amor-próprio

Quando perdemos as colónias foi como quando um marido é trocado por outro. Levámos um pontapé no ego que nunca mais nos levantámos.

o livro os portugueses, de barry hatton, chamou a atenção de muitos pelo conteúdo ao mesmo tempo objectivo e apaixonado no que respeita à nossa terra. barry, de origem inglesa, vive em portugal desde 1986 e mostra não só conhecer bem a nossa história e a nossa cultura, como também compreendê-la e respeitá-la. talvez por isso o livro tenha logo alcançado os lugares cimeiros do top de vendas nacional.

depois de o ter saboreado, dei comigo a pensar que portugal é de certo modo semelhante àquelas mulheres muito belas que se consideram feias, vulgares ou desinteressantes. tenho algumas amigas assim, que já em miúdas transpiravam insegurança pelos poros e para quem a corrida do tempo se tornou um tormento gigante, fazendo-as sentir ainda mais inseguras.

a falta de auto-estima também nos correu sempre no sangue enquanto nação, a par com a inveja que é, depois do futebol, o grande desporto nacional. recordo a anedota dos caranguejos, contada na índia: está um pescador a apanhar caranguejos e a colocá-los num balde quando chega outro e lhe pergunta porque é que o balde não tem tampa. ele responde que não é preciso, porque os caranguejos são portugueses – assim que um tenta subir, os outros puxam-no logo para baixo.

o problema de algumas mulheres muitos belas também se prende com esta postura crítica e maldizente. tantas vezes assisti, à entrada de uma mulher bonita numa sala (a par dos murmúrios babados das hostes masculinas), a um chorrilho de comentários maldosos por parte das mulheres presentes. sim, é bonita, mas: a) é um bocado estrábica; b) mete os joelhos para dentro; c) pensa que a república dominicana é uma loja de roupa.

é uma tristeza e uma vergonha, mas a verdade é que somos mesmo assim. a falta de capacidade para admirarmos o próximo e para nos valorizarmos faz com que, quando passa um ferrari junto a uma paragem de autocarro, os transeuntes pensem com sede de vingança: «um dia ainda vais estar aqui na fila à espera», em vez de sonharem que um dia também vão ter um.

há muito que portugal se comporta como uma mulher insegura ou um homem enganado; costumo dizer, por graça, que quando perdemos as colónias foi como quando um marido é trocado por outro homem – levámos um pontapé no ego tão forte que nunca mais nos levantámos. mas é pior do que isso: nos últimos séculos andámos a esbanjar, de d. joão v a sócrates, e no período em que fomos obrigados a poupar levámos com uma mordaça que acentuou ainda mais o sentimento de fraqueza e de impotência, a qual batton descreve com a atitude laxista do ‘deixa-andar’. não é por acaso que um dos símbolos nacionais é o zé povinho a fazer um gesto feio.

a atitude ‘que-se-lixe’ revela ausência de amor-próprio, quando o que todos precisamos de fazer é olhar para portugal com orgulho e amor e de lutar para conseguir que o espírito mude.

portugal merece ser amado, mas para isso tem de aprender a ter amor-próprio, tem de levantar a cabeça e puxar por si, e nós todos juntos pelo país que temos e que somos. temos sol, mar, peixe, azeite e vinho, somos bons, educados, hospitaleiros e brandos. portugal é bom e é bonito, só precisa de deixar de meter os joelhos para dentro.