Maria José Nogueira Pinto em entrevista ao SOL

Entrevista de Maria José Nogueira Pinto ao SOL, publicada a 22 de Maio de 2009.

foi refugiada, emigrante, e vendeu enciclopédias porta a porta no rio de janeiro. maria josé nogueira pinto viveu momentos ‘muito complicados’ quando esteve doente, fora de portugal. a ex-líder parlamentar do cds, que votará ferreira leite nas legislativas, está agora a passar por um ciclo de mudança de pele

quando esteve em angola depois do 25 de abril imaginava que portugal viesse a depender tanto de angola, e angola de portugal, como hoje?

a forma como a descolonização foi feita não permitiu que o país se desenvolvesse mais cedo. neste momento há 100 mil portugueses em angola; na época havia 300 mil radicados, com família, muitas delas mistas – que deram, em grande parte, origem às elites angolanas. o que se passa hoje mostra que a tese a favor de uma descolonização imediata – porque portugal não precisava de angola para nada com a entrada para a comunidade europeia – não fazia sentido.

o que perdeu portugal e o que poderá vir a ganhar?

perdeu território, massa crítica, população e poder estratégico. hoje angola é um grande mercado, que precisa de tudo, precisa de quem vá fazer, e o país pode pagar por isso. pode até vir a dominar o continente africano. e o regresso do português é facilitado – é um povo que se adapta bem e que tem em comum com os angolanos a língua. e à medida que as questões ideológicas e mais conflituais se vão desvanecendo, é natural que a relação entre os dois povos melhore.

tinha 12 anos quando lá foi pela primeira vez, com os seus pais e as suas irmãs. foi em férias?

foi numa viagem de lazer, com os meus pais, uns tios e uns amigos. foi numa boa idade, em que já nos lembramos das coisas e estas nos marcam muito. foi uma viagem muito especial, feita de barco. demorou uns dois meses: saímos de lisboa, fomos até lourenço marques e trocámos de barco para irmos a porto amélia. passámos por uma série de territórios, começando pela madeira, depois por são tomé.

que memórias guarda dessa viagem?

em angola, uma das coisas que me marcou muitíssimo foi o deserto de moçâmedes. e lembro-me do hotel terminus, no lobito, onde comi caril pela primeira vez. depois lembro-me das praias, do facto de as pessoas serem muito mais livres em termos de costumes, da forma de vestir, e de fazerem muito mais vida ao ar livre. as pessoas eram muito mais felizes. depois, o barco no qual viajámos tinha bares, cabeleireiros, uma coisa que nunca tinha visto. e a chegada à cidade do cabo foi como a chegada à américa, era assim que imaginávamos os estados unidos.

depois de conhecer essa liberdade, como foi regressar à rigidez de portugal?

não sei. sei que retive momentos importantes como o de beber coca-cola, porque cá não havia e era considerado um fruto proibido. cá só se bebia laranjina c ou canada dry…

e como é que uma menina de família faz depois, aos 16 anos, uma viagem de comboio sozinha pela europa?

tive uma educação muito liberal. como sempre gostei imenso de viajar, começava a pensar nas viagens com antecedência. dantes não havia dinheiro nem tanta facilidade em viajar, por isso, tinha de ser tudo bem planeado. essa viagem com a minha amiga carolina mantero foi das mais difíceis para arranjar autorização!

e fez outras viagens do género?

também organizei uma viagem a são tomé, exactamente durante o verão em que salazar caiu da cadeira, que coincidiu com a chegada da família soares à ilha, como residência fixa de mário soares. na época, estávamos em plena guerra do biafra e dali partiam também os aviões com ajuda humanitária. havia muitas freiras irlandesas, que estavam de fato de banho na praia. era um mundo à parte.

passou lá o verão?

a minha amiga carolina e eu passámos lá um verão em grande, numa roça da família dela, onde só vivia o engenheiro agrónomo que tomava conta do espaço. começámos por pensar no que poderíamos fazer para nos integrarmos e decidimos organizar uma festa para os filhos dos advogados, farmacêuticos, magistrados e médicos que lá viviam. e todos acabaram por retribuí-las. depois, caí dum ‘gasolina’ a caminho do ilhéu das rolas com tubarões à vista e ao fazer pesca submarina apareceu uma moreia… foi uma aventura. e a europa não era espaço de aventura.

mas não foi uma aventura estar fugida em espanha, depois do 25 de abril?

foi uma circunstância diferente. numa época difícil, que teve aspectos positivos no sentido daquilo que sou hoje. depois de termos estado em angola, na época do prec, fomos para a áfrica do sul e daí para o brasil, onde era mais fácil trabalhar, onde o meu curso de direito já era reconhecido. daí fomos para madrid. foi uma diáspora e passámos por condições complicadas.

que condições complicadas?

falta de chão, falta de tecto, falta de dinheiro, a incerteza do trabalho e o facto de termos duas crianças pequenas. foi difícil, porque de um momento para o outro todos os pressupostos em que assentam a nossa vida desaparecem.

o que pesou mais naquele momento?

a responsabilidade familiar, pois uma coisa era dois adultos por esses países; outra era viajarmos com crianças.

teve que arranjar emprego…

no rio de janeiro, o único emprego que se poderia arranjar com alguma facilidade, tendo em conta que ainda não tinha acabado o curso, era ser vendedora de cursos de inglês ou de enciclopédias porta a porta. a empresa chamava-se status e o chefe ‘seu’ clóvis. era um emprego muito duro, que obrigava a andar a pé com muito calor e muita humidade, com o saco dos catálogos na mão. foi uma experiência muito interessante, porque deu para perceber que havia pessoas humanas que abriam a porta de casa só para me ouvirem mesmo sem quererem comprar nada. não temos noção desse tipo de trabalhos…

e que noção da vida é que ganhou depois de vender enciclopédias?

comecei por ser refugiada, fui emigrante e depois vendi pelas portas. hoje, acho essas experiências óptimas, porque me mostraram que nós não temos importância nenhuma. penso que deveria haver um baptismo que levasse todas as pessoas a perceberem, em algum momento da vida, que a sua importância é muito relativa. que a sua importância não assenta em nada daquilo que acredita assentar. durante esse período também estive bastante doente e fiz uma viagem ao outro lado da vida.

como assim?

estive internada num hospital inglês, a ser tratada por um grande professor catedrático, rodeado pelo seu séquito e enfermeiras todas engomadas, e que nem olhava para o doente. por exemplo, eu só sabia que ia fazer um exame com anestesia geral porque tinha a palavra ‘jejum’ afixada na cama. mas o que mais me incomodou foi a chegada de uma doente açoriana, que não falava inglês e não tinha família nenhuma ali. estava cheia de medo e não conseguia falar devido a um aneurisma. parecia um animal acossado e não houve nada, não houve uma pessoa que lhe fizesse uma festa na mão, que lhe passasse a mão no cabelo. aí, perguntei-me se os hospitais não poderiam ser diferentes.

aconteceu-lhe o mesmo?

eu não estava sozinha. fui assistida pelo capelão do hospital, um pastor protestante. e, na época, vivia em londres um grande amigo, o embaixador franco nogueira, que todos os dias às quatro da tarde me vinha visitar.

quanto tempo esteve doente?

foi uma coisa que se arrastou por quatro anos. fui operada por causa de um colesteatoma, uma espécie de otite crónica. foi complicado.

curiosamente, ministra da saúde foi o cargo que lhe ficou a faltar no currículo…

porque não houve oportunidade.

ainda…

ainda, não. há um tempo para tudo. comecei a interessar-me pela área da saúde quando saí da misericórdia de lisboa. e tive a primeira oportunidade com leonor beleza. na época, roberto carneiro pediu-me uma colaboração para o ministério da educação e leonor beleza disse-me: ‘então, vai assim para outro lado e nem me pergunta se preciso de si?’. respondi-lhe que da misericórdia só ia para um sítio onde pudesse mandar em tudo e em todos. foi nesse momento que surgiu a hipótese de dirigir a maternidade alfredo da costa.

onde poderia mandar em tudo e todos?

tinha saído a lei da gestão hospitalar que previa, pela primeira vez, que o director de um hospital pudesse ser uma pessoa não-médica. uma lei muito polémica. e fui uma espécie de balão de ensaio, que chegou à maternidade não apenas como administradora hospitalar, mas como directora do próprio hospital. isto suscitou uma reacção dos directores de serviço com pedidos de demissão.

da misericórdia à alfredo da costa, passando pela política, que actividade a realizou mais?

o meu pai dizia-me que não sabia se eu fazia o que gostava ou se gostava do que fazia. e até hoje não sei. normalmente só aceito um cargo se sei que me vai entusiasmar, porque se não tenho gosto não rendo. e gosto em especial dos desafios que sejam pegar numa coisa, preservá-la, mas mudá-la para melhor. e foi exactamente isso que me atraiu no projecto da bordalo.

o que queria preservar nas faianças bordalo pinheiro?

o património intangível, o talento do bordalo, aquelas cores, aquela marca, tudo tem de ser preservado e para ser preservado tem de ser mudado.

o que falhou nesse seu negócio?

nada. apareceu a visabeira, que tem uma envergadura que eu não tenho. o objectivo número um – que era não deixar fechar a bordalo – foi conseguido. era uma grande aflição pensar que a bordalo estava de pés para a cova e, como na altura não havia visabeira, avancei com a proposta.

é uma mulher de grandes paixões. o que a entusiasma neste momento?

estou a passar por um ciclo de mudança de pele, de regresso a casa, de regresso a mim própria. tem, também, que ver com a evolução familiar, com o facto de os meus filhos terem tido filhos…

não está a tirar notas para escrever um livro de memórias?

não.

mas já recebeu um convite de alguma editora para escrever um livro?

já. sou uma leitora compulsiva, sobretudo de ficção. o que é trabalho leio sentada, mas só consigo ler deitada a ficção. acho que é muito difícil escrever um grande romance e não tenho veleidades de escrever um. para escrever a história da minha vida, acho um absurdo. o que tenho guardado com muito carinho são os meus recortes. nunca os vejo, mas é para o caso de um bisneto vir a ter interesse.

voltando à bordalo pinheiro, que ideia tinha para o projecto?

a bordalo não pode ser massificada. mas pode ter três segmentos de produto, para três segmentos de mercado. e um desses mercados é o estrangeiro, onde a marca tem de entrar no circuito da moda e da decoração de alto nível. já há 100 anos, o filho do bordalo, quando inaugurou a fábrica, tinha como objectivo levar a marca para fora de portugal, para a europa e os estados unidos.

já foi ao museu bordalo pinheiro no campo grande?

há muito tempo! é pequenino. merecia mais…

não é frustrante uma pessoa que nasceu no campo grande, e sempre viveu ali, ver o jardim tão abandonado?

tenho pena. mas acontece com o jardim o mesmo que acontece com a cidade, que está desertificada. aquele jardim está assim porque não tem ninguém, porque tudo o que lá está, está parado. o jardim é atravessado. se houvesse uma banda a tocar, jogos infantis com os barcos…

diga três ideias chave para lisboa.

desde o ano em que lá estive até agora mantêm-se as mesmas necessidades. não porque tenha uma opinião negativa do mandato de antónio costa, pois não tenho, mas porque esse mandato foi gasto a criar condições que não existiam: organizar a casa, pôr as coisas em ordem e estabelecer regras. assim espero que tenha sido.

mas quais são os problemas da cidade?

é uma cidade muito envelhecida, com áreas muito desertificadas, com áreas segregadas geracionalmente e socioeconomicamente. a qualidade de vida está a cair e lisboa poderia ser muito mais competitiva. é uma cidade que precisa de ser revitalizada. gosto desta expressão que implica pessoas e sem elas não fazemos nada.

se a opinião que tem do mandato de antónio costa não é negativa…

não, não é. não é negativa, porque quem ali esteve sabe bem qual era o ponto de partida do antónio costa, pois esse ponto de partida era o nosso ponto de chegada. agora, imagine-se chegar um comboio sem rodas e todo estragado e que vai para lá um maquinista. tenho de dizer que não é fácil.

então antónio costa é o seu candidato. ou santana lopes é uma hipótese?

se antónio costa tivesse feito coisas péssimas, é claro que não votaria nele outra vez. o meu voto em 2007 foi um voto de 2 + 4; ele em dois anos não conseguiria fazer muito mais do que arrumar a casa, pagar dívidas, criar regras.

acha que o cds fez mal em coligar- -se com o psd?

é difícil. não estou lá no partido e não conheço a formação da decisão. mas a candidatura de santana lopes é polémica. há quem goste muito dele e há quem não goste nada. admito que o cds pudesse ter alguma vantagem em ir sozinho a votos, mas pelos vistos não viram isso.

num plenário de militantes chegou a ser falado o seu nome. teria aceitado se a tivessem convidado?

era pouco provável que me convidassem. mas não haveria nada que à partida me levasse a dizer ‘de maneira nenhuma’. não estou zangada com o partido. mas tinha de saber para que serviria a minha candidatura e em que condições. além de que só faria sentido um regresso à câmara para acabar um trabalho. porque, à excepção do parlamento, sempre disse que só voltaria a um sítio onde tivesse deixado trabalho por fazer.

já decidiu em quem vai votar nas eleições europeias?

vou votar no paulo rangel. tenho por ele uma grande amizade e acho que tem um pensamento muito estruturado nessa matéria.

nuno melo faz justiça ao cds como candidato?

paulo portas pôs na lista às eleições europeias, considerando o que é hoje o cds, um cartel de luxo. esmerou-se.

apoia a recondução de durão barroso na comissão europeia?

é um assunto que me deixa completamente indiferente. tenho uma ideia muito crítica da união europeia. não é céptica, é crítica. temos visto que é uma supra estrutura, supra burocrática, muito distante das questões, sem nenhuma agilidade, com uma agenda toda baralhada. onde eles são mesmo bons é a proibir as colheres de pau e os ‘jaquinzinhos’.

como viu a questão do tratado de lisboa?

tudo isto é patético, não conseguiram fazer a constituição e fez-se um downgrading à pressa para um tratado. mas era gato escondido com rabo de fora… a atitude em relação ao referendo da irlanda também foi uma vergonha, qualquer coisa como: ‘tenham juízo, bebam um copo de água, vão outra vez votar e digam que sim’.

com que partido mais se identifica hoje?

votarei em quem acho que pode mudar para melhor.

admite votar em manuela ferreira leite nas eleições legislativas?

admito.

e se ela a desafiar para voltar ao parlamento nas listas do psd?

a isso não respondo.

ferreira leite pode chegar a primeira-ministra?

ao contrário de todos, sempre achei que sim. as qualidades de ferreira leite são mais importantes do que o que ela possa não ter afinado no desempenho político, que é sobretudo a questão da comunicação. e que é importante, sem dúvida. mas é mais importante o que se tem para dizer do que a forma como se diz.

e ferreira leite vai conseguir afinar politicamente as suas capacidades?

acho que vai reforçar a sua afirmação como uma pessoa que resiste bem à maré de pessimismo que lançaram sobre ela. todos os temas que abordou acabaram por ser os temas dominantes, as questões que, de facto, vale a pena discutir. além disso, o tempo corre contra sócrates. esta crise ainda está no início e os efeitos no país vão perdurar.

o que pensa da solução do bloco central?

penso muito mal. não posso aceitar que em democracia só funcionem as maiorias absolutas. é um contra-senso. neste momento, tudo afasta os dois partidos, quando, ainda por cima, se poderiam ter aproximado: sócrates deslocalizou o ps mais para o centro e mandou enrolar as bandeiras. nesse sentido, temos um partido mais social-democrata. mas, por outro lado, há uma esquerdização do país, com o crescimento do bloco de esquerda (e eventualmente do pcp), com sócrates a pactuar com o ps puro e duro sempre que necessário e a entregar de bandeja uma agenda parlamentar e legislativa tremenda à futura bancada do ps. é isso que vamos votar nas legislativas.

sem uma maioria absoluta qual é a alternativa?

o país não precisa de uma maioria absoluta mas não se compadece com um campo de batalha partidária. o que tinha de haver era um apelo em torno de um conjunto de objectivos que pudessem ser consensualizados. o consenso não é uma derrota, é a maior vitória, e aqui não se acha nada isso. pensa-se que consensualizar é ceder.

isso é o que o presidente da república tem defendido.

nós estamos com os órgãos de soberania muito fragilizados. e é urgente reflectir se ganharíamos em ter um regime presidencialista. seria naturalmente um país mais gerível, seria mais fácil a negociação dos acordos. há muitos sinais de esgotamento na nossa democracia e é preciso repensar também o funcionamento da assembleia da república, os círculos uninominais, o estatuto da oposição e até o financiamento dos partidos, que acabou desta forma lamentável.

a sua avaliação do mandato de cavaco silva até agora é, portanto, positiva.

é. causou-me alguma surpresa não ter havido mais comunicação com o país formalmente sobre algumas questões, como a crise. e talvez fizesse sentido que o conselho de estado tivesse reunido. mas o presidente conseguiu uma agenda própria. surpreendeu porque toda a gente achou que só ia falar de economia e finanças e falou de outras coisas, que se ia imiscuir na governação e não o fez. quando o presidente veta, toda a fundamentação técnico-jurídica é impecável, não há nada crispado.

acredita que é possível sócrates voltar ao poder com a ajuda do cds?

não acredito que sócrates se coligue com alguém. se há uma qualidade que sócrates tem é saber o que quer e para onde vai. e fá-lo com grande entusiasmo. é claro que depois há ali um excesso de voluntarismo, que gera algumas atitudes ditatoriais. e disso não gostamos. desde 1974, não tenho memória de ter havido um governo onde não houvesse quatro, cinco vozes. aqui não há vozes, só há a voz do primeiro-ministro. foi introduzida uma ordem na governação, que tenho de apreciar. mesmo os que foram mandados embora, saíram em boa ordem. vê-se que é uma pessoa que não vai partilhar decisões com partidos como o be ou o cds. até tenho dúvidas que governe sem maioria absoluta. é sempre possível arranjar consenso em torno das questões verdadeiramente importantes. mas é preciso negociar.

e sócrates não quer isso?

sócrates não quer pagar um preço muito alto. não imagino o que será sócrates a negociar com louçã o que vão fazer na saúde, como vai ser o orçamento do estado… acho muito difícil. e qual é o preço de negociar com o cds?

se sócrates não aceitar coligar-se com nenhum partido mas também não aceitar governar com maioria relativa o que lhe resta?

pode dizer que ele não faz governo e que fará outra pessoa do ps.

faz falta em portugal um partido de direita conservador forte?

faz falta reorganizar o espaço da direita. mas isso tem de ser um processo natural, não é com colóquios nem com conferências que se refunda a direita. a diversidade da esquerda provocou o crescimento da esquerda. a diversidade da direita sempre assustou o eleitorado da direita. o espaço da direita tem de ser mais diversificado e vai ter de se regressar às ideologias sem vergonha nenhuma. os partidos têm de ser fiéis à sua marca.

se até o rato mickey ganhava a paulo portas, o que é que falhou no cds?

devo esclarecer que disse isso no contexto das eleições para o grupo parlamentar e não no congresso de braga. e as eleições para líder parlamentar ganhei-as eu. eram umas eleições em que eu estava absolutamente certa de que paulo portas não ia ganhar, ao contrário das de braga, em que estava absolutamente certa que eu ia perder.

mas como justifica o regresso de portas ao cds e a derrota de ribeiro e castro?

a tendência do partido é para o definhamento. porque provavelmente esteve muito tempo afastado do poder. a vocação dos partidos é chegar ao poder e ter instrumentos para fazer vingar as suas políticas. o partido foi deixando de ter implantação autárquica, foi para as coligações… e isso não tem que ver com paulo portas. mas o que penso que ribeiro e castro teria feito pelo partido era uma viragem, tinha-o reposicionado com uma base doutrinária mais clara, um conjunto de valores mais estáveis. essa volta ribeiro e castro podia-a ter dado, porque também estava na sua primeira experiência de líder do partido. os regressos são sempre um amargo de boca.

mas portas disse que voltava para fazer algo diferente.

o que acho que pesou dentro do cds – que ainda é um partido pequeno e onde estive com muito gosto – é que há um complexo de inferioridade. ribeiro e castro não aparecia tantas vezes na tv, mas isso não era relevante porque o trabalho que estava a ser feito ia dar frutos. mas a cultura dominante do partido acabou por ser a de que a nossa importância mede-se se aparecemos nos jornais, se somos ouvidos, se falam de nós… isso parecia mais alcançável com paulo portas.

voltando às personagens da disney, o cds é hoje um bando de irmãos metralha comandado pelo bafo de onça?

não. o rato mickey era uma personagem respeitadíssima, o bafo de onça não é! a questão do cds é a mesma dos outros partidos.

que é…

num determinado momento entendeu-se que as ideologias iam acabar. é a coisa mais absurda; as ideologias estão cá todas. uma revisão ideológica era fundamental em todos os partidos. o pcp teve dificuldade mas teve de a fazer, porque o que todos os partidos comunistas defenderam caiu há muito tempo. mas continuam cá. o be pode fazer uma passeata ideológica, porque tudo ainda lhe é permitido, uma vez que está em fase experimental. mas o ps tem de a fazer também. o que é o socialismo? é o ps de sócrates? é o ps de manuel alegre? e o psd, é um partido social-democrata? um partido de centro?

há uns bons anos, disse a lobo xavier uma frase que ficou célebre no meio político e jornalístico: ‘você sabe que eu sei que você sabe’. já nos pode explicar a que se referia?

[pausa] se é assim, escuso de dizer. ele sabe. [risos]

não se considera uma mulher de causas perdidas? o cds centrista acabou, a descriminalização do aborto vingou, o plano da baixa-chiado ficou pelo caminho. e na próxima legislatura, se o ps vencer, os casamentos homossexuais e a regionalização vão voltar à agenda…

nada. a única coisa importante aí é podermos responder à pergunta: ‘onde é que tu estavas quando isso aconteceu?’. o que é preciso é cada um estar do seu lado da barricada. continuo convencida de que não são boas soluções. o importante é combater, não é perder ou ganhar. em relação à baixa-chiado, era uma verdadeira impossibilidade quando me candidatei. termos chegado ao momento em que entregámos ao presidente da câmara o plano, com o entusiasmo e mesmo com toda a polémica e as críticas que suscitou, é uma coisa óptima. é sinal que mobilizou as pessoas. foi uma vitória, não foi uma derrota. não se ter feito, foi uma pena. mas o plano está lá para avançar a qualquer momento.

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