JP Simões e Afonso Pais apresentam hoje Onde Mora o Mundo

JP Simões é perito em cantar a depressão colectiva. «A tristeza é para se combater e combate-se cantando-a», confirma ao SOL. Não quer com isto dizer que o recente Onde Mora o Mundo, álbum que resulta da soberba parceria entre JP Simões e o músico de jazz Afonso Pais, seja trágico e soturno. Essa seria…

onde mora o mundo, trabalho que hoje é apresentado na íntegra (e, ainda, um tema inédito) no palco do lisboeta são luiz, é um álbum luminoso. «não é um disco do crepúsculo. parte-se do desencanto para a reinvenção do entusiasmo», caracteriza jp simões, enquanto afonso pais agradece o elogio e sente-se compreendido. «têm-me dito muitas vezes que é um álbum triste e eu não concordo. por isso fico contente com esse adjectivo», sublinha.

essa luz, que emana da maturidade das notas musicais de afonso e das exaltações constantes de jp, surge de uma necessidade mútua de, através da música, olhar a vida. por isso, o que poderia ser naturalmente uma interrogação (onde mora o mundo?, mas com o ponto de interrogação omisso) acaba por «ser uma das muitas respostas» a essa e tantas outras questões básicas da vida quotidiana.

«o mundo mora na forma como damos significado às coisas. como vemos e sentimos. e é por isso que a música, e este disco em particular, está tão aberta às circunstâncias vitais da vida e do tempo em que é feita», considera o mentor dos adormecidos belle chase hotel.

parto em tavira

construído num equilibrado balanço entre ritmos brasileiros e jazzísticos – segundo afonso as duas influências mais «visíveis» (e que ofuscam tantas outras), mas mesmo assim intencionais –, onde mora o mundo obrigou os dois músicos a um retiro de uma semana, em tavira. um «parto provocado» porque tinha mesmo de ser. «em lisboa há muita distracção», comenta jp. «o isolamento permitiu mais concentração, até porque é muito difícil escrever e não ser repetitivo», acrescenta.

esta preocupação deve-se ao fascínio constante e, aqui sim, repetido, do letrista por versar sobre os desgostos de amor. mas em onde mora o mundo, o músico aprofunda outra qualidade: a do humor.

característica certeira tantas vezes, a ironia ganha agora oxigénio novo com o músico a falar da classe política portuguesa (coisa rara na obra de jp simões) no tema ‘marcha dos implacáveis’. aqui, ouve-se a fúria de ‘98,4% de três milhões e meio de desempregados’ que ‘avançam loucos para são bento e gritam mata-esfola, mata-esfola’. «usufruir da paródia é um divertimento e esta canção surgiu depois de um típico pesadelo de culpa e perseguição. a isso juntei alguns números estatísticos e irrompi sobre o que está bem e mal resolvido em portugal», contextualiza.

esta não é, no entanto, a estreia do vocalista na chamada música de intervenção. pelo menos do seu ponto de vista: «as canções do vinicius de moraes, por exemplo, podem falar ‘apenas’ de relacionamentos, mas levantam sempre grandes questões éticas. o amor confronta-nos com questões duríssimas sobre as nossas opções de vida e aquele derradeiro momento em que para se escolher um caminho é preciso perder o outro. isso é uma coisa insuportável».

concerto em septeto

concluída a criação artística, afonso e jp regressaram à cidade para, com os outros dez músicos que completam o álbum, muscular sonoramente o trabalho. e o resultado possibilita que os temas «funcionem bem em qualquer formação».

por isso, hoje à noite, em vez dos 12 músicos que gravaram em estúdio, o concerto vai ser em septeto e afonso, que assume toda a direcção musical do trabalho, está bastante entusiasmado. «acho que vai ser surpreendente porque vamos estar ali, pela primeira vez, a fazer jus ao trabalho que tivemos em estúdio», diz, desejoso de começar a sentir verdadeiramente o efeito das canções em si, uma vez que o álbum demorou quase um ano a ser editado.

alexandra.ho@sol.pt