na internet, essa auto-estrada livre de informação, com todas as vantagens e desvantagens, circulam com alguma regularidade apelos às mais diversas causas. desde questões sérias, como sejam as de saúde, até aos pedidos mais bizarros. depois há ainda os pedidos políticos para subscrever este ou aquele abaixo-assinado.
tudo acontece na nossa caixa de correio. se o mesmo se passasse naquela que fica à entrada do prédio onde vivemos, seria praticamente impossível entrar no edifício. a rede tem destas vantagens.
tudo fica à distância de um botão. nos últimos tempos, um email tem chegado repetidamente, sempre com a mesma mensagem. um casal – não está em causa a sua legitimidade, que fique claro – de portugueses decidiu dar uma volta à índia e por lá anda há vários meses. suponho que vão dando notícias num site criado para o efeito e no facebook.
eu tomei conhecimento da história pelos inúmeros emails recebidos. e o que pede o casal? que as pessoas contribuam com cinco euros para ajudarem nas despesas burocráticas necessárias para trazerem um cão de rua indiano. os 1.500 euros estão quase alcançados e o bichinho da terra com cheiro a caril é capaz de ainda vir morar para portugal.
sinceramente, percebo que deve ser uma atitude nobre e que talvez eu seja incapaz de perceber o alcance do gesto. e digo isto por uma razão muito simples: há centenas, ou mesmo milhares, de cães abandonados em canis públicos portugueses e que só sobrevivem à custa de pessoas que passaram a viver em função das denúncias de maus tratos de que são alvo os animais. por isso tenho alguma dificuldade de entender tal pedido para trazer um cão encontrado a milhares de quilómetros de portugal. é preciso, para defender o bicho, gastar esse dinheiro? com tal verba, não tenho dúvidas, salvar-se-ia um bom número de cães de rua portugueses. repito que nada tenho contra a iniciativa, apesar de me parecer uma idiotice. e penso que retrata muito bem o que se passa na actualidade. o mais importante de tudo é apelar aos sentimentos mais básicos, sem, contudo, resolver grande coisa. o show off tomou conta da vida e a internet, temos de reconhecer, é um óptimo veículo. as pessoas em geral e o casal em questão até podem fazê-lo com a melhor das intenções. acredito. mas soa-me tudo a brincadeira. é como se o que se passa no mundo só fosse realmente importante com o folclore mediático. nesta semana contribuí, como milhares de portugueses, calculo, para uma associação de ajuda a doentes com cancro. não recebi nenhum email nem nenhuma carta. no interior de um hospital uma senhora fazia o pedido de forma discreta. a mim tocou-me. o cão de rua de terras longínquas não.
vitor.rainho@sol.pt