as imagens de barcos sobrelotados de imigrantes clandestinos a chegarem às costas de espanha e de itália ainda não se verificam em portugal. mas o mesmo não se pode dizer da falsificação dos documentos necessários para a legalização desses imigrantes.
só no último mês de junho, o departamento de investigação e acção penal (diap) de lisboa, liderado pela procuradora-geral adjunta maria josé morgado, e o serviço de estrangeiros e fronteiras (sef) conseguiram desmantelar três redes que facturavam milhares de euros por imigrante com a falsificação de autorizações de residência em portugal.
o mais curioso é que muitos dos ‘clientes’ vinham expressamente de frança, bélgica, holanda e até mesmo do egipto para obterem um atestado de residência português que lhes permitisse movimentar-se legalmente na união europeia e trabalhar nos países mais ricos.
ahmed hassan eltet, egípcio com 37 anos, foi um dos imigrantes que em 2007 recorreram a essas redes. eltet vivia em paris desde 1997 e através da comunidade egípcia da capital francesa conseguiu os contactos da rede a operar em portugal, co-liderada por outro egípcio (walid abou eita).
a troco de 1.500 euros, walid eita conseguiu-lhe um contrato de trabalho com uma empresa por si gerida (a regra viva, onde eltet nunca trabalhou) e um atestado da junta de freguesia de cascais que o dava como morador na av. de sintra. walid eita inscreveu ainda ahmed eltet na segurança social e nas finanças como trabalhador independente, tendo pago três meses de contribuições.
após a apresentação da documentação no serviço de estrangeiros e fronteiras de cascais, eltet regressou a frança. semanas depois, foi-lhe passada uma autorização de residência válida até 23 de novembro de 2009.
em meados de 2009, tendo em vista a renovação do documento, ahmed regressou novamente a portugal tendo pago mais 850 euros para a obtenção de novos documentos falsificados. semanas mais tarde, conseguiu a renovação da autorização de residência até 23 de novembro.
nos dias que esteve em portugal, o cidadão egípcio ficou numa ‘casa de passagem’ da rede, na zona de lisboa, existindo ainda moradas para a recepção de correspondência do sef, das finanças e da segurança social.
rede dedicava-se ao mercado árabe
ocaso de ahmed é um dos 46 casos de uma rede, segundo o despacho de acusação, co-liderada por walid eita, pela portuguesa ana carapinha e pelo seu marido moustafa elmyya. a investigação do diap de lisboa foi complexa e implicou cooperação internacional intensa com frança e o egipto. a rede dedicava-se quase exclusivamente a obter atestados de residência para cidadãos árabes residentes em terras gaulesas, tendo também sido detectados casos de cidadãos egípcios que, antes de saírem do seu país, tentavam obter documentos falsificados.
walid eita, o primeiro líder da rede, entrou em portugal em 1999 com um visto de curta duração para participar na feira internacional de turismo de lisboa. ficou por lisboa e veio a obter uma autorização de residência portuguesa. eita cobrava cerca de 1.500 euros pela obtenção de documentos falsos semelhantes ao que obteve para ahmed e que permitiam a obtenção do atestado de residência. mas, durante a investigação, o egípcio suspeitou de que estaria a ser investigado e fugiu para frança – onde se dedicou a angariar imigrantes clandestinos para a rede. mais tarde, acabou por fugir novamente para o egipto, onde foi preso a coberto do mandato de captura internacional emitido pelas autoridades portuguesas. apesar de ainda não ter sido extraditado, eita foi acusado pelo diap de lisboa e arrisca-se a ser julgado à revelia.
depois de fugir para frança, walid kamel eita encaminhou 37 clientes árabes da zona de paris para ana carapinha, contabilista casada com moustafa elmyya – um cidadão egípcio residente em portugal.
segundo o diap de lisboa, carapinha, elmyya e mohamed aboutaleb (todos em prisão preventiva) organizaram-se em grupo para aliciarem dezenas de imigrantes árabes. o preço médio cobrado ascendia a 2.650 euros por imigrante.
esta rede aliciou igualmente vários empresários portugueses a assinarem contratos de trabalho com esses imigrantes ilegais (que nunca chegavam a trabalhar), a troco quantias entre 150 e os 1.350 euros por contrato.
modus-operandi semelhante
uma segunda rede desmantelada pelo diap de lisboa diz respeito à acção da construtora silva gâmboa e da gerente com mesmo nome. gâmboa, juntamente com o cidadão paquistanês whaeed murad, foi acusada no dia 13 de junho de liderar uma associação de auxílio à imigração ilegal e de 81 crimes de falsificação de documento agravada. ambos estão presos preventivamente, tendo sido acusadas mais duas portuguesas e cinco cidadãos paquistaneses.
esta rede, que operava desde 2005, conseguiu falsificar entre 2009 e 2010 cerca de 45 processos de atestado de residência, tendo a acção do diap de lisboa e do sef impedido que mais 36 vistos de residência fossem emitidos com base em documentos falsos.
a maioria dos processos diziam respeito a cidadãos paquistaneses (sendo os restantes relativos a indianos e a africanos) que trabalhavam em portugal, mas que não estavam legalizados. contudo, a rede angariou também ‘clientes’ na bélgica, holanda, frança e espanha. o ‘palavra-passa-palavra’ acabou por publicitar os serviços da organização junto das comunidades paquistanesas desses países europeus.
de acordo com a acusação, a rede cobrava 1.000 euros aos estrangeiros que já se encontravam em portugal e 2.000 euros aos que vinham de outros países europeus. apesar de os valores incluírem o pagamento da segurança social, certo é que gâmboa raramente pagou tais contribuições. no período de janeiro de 2005 a maio de 2010, a construtora contraiu uma dívida contributiva de mais de 106 mil euros.
segundo a acusação, a sociedade silva gâmboa não se encontrava licenciada para operar enquanto construtora e a loja, onde supostamente seria a sede, estava vazia desde 2009 – daí a classificação de empresa-fantasma. apesar disso, a construtora tinha inscrito nas finanças e na segurança social cerca de 95 trabalhadores (a maioria dos quais estrangeiros) entre junho de 2007 e dezembro de 2010.
o diap de lisboa apreendeu cerca de 43 mil euros das contas bancárias dos arguidos (foram acusados mais dois portugueses e cinco paquistaneses), embora, como se admite na acusação, muito dinheiro não tenha sido detectado pelos arguidos não terem depositado os valores que recebiam em numerário.
na semana passada, o diap de lisboa concluiu uma terceira acusação por 70 crimes de auxílio à imigração ilegal contra uma rede liderada por um advogado que se dedicava, a troco de quantias por imigrante entre os 500 e os 1.625 euros, a falsificar autorizações de residência a coberto do chamado ‘acordo lula’ – lei negociada entre o governo de lula da silva e o governo de durão barroso que permitiu que todos os cidadãos brasileiros que tivesse entrado em território nacional antes de 11 de julho de 2003, teriam direito a visto de trabalho. todos os casos detectados dizem respeito a cidadãos brasileiros que só entraram em portugal muito depois dessa data, mas cujos documentos apresentados no sef tinham uma data anterior a 11 de junho de 2003.