Festival Músicas do Mundo: Cacimba e transe do Rajastão

Apenas comparável ao concerto de Congotronics vs Rockers no passado sábado, o Castelo de Sines entrou na recta final das enchentes ontem. Numa noite meditativa, abrilhantada pelo projecto indiano Desert Slide e despertada pela soul da sul-africana Nomfusi.

quando pelas 19h, a dupla japonesa shunsuke kimura e etsuro ono, experimentalista do tsugaru-shaminsen (instrumento tradicional de três cortas parecido a um banjo) subiu ao palco do castelo, deu o mote para aquilo que viria a ser uma noite com traços largos de introspecção.

intervalada pelas melodias retalhadas (do samba ao chamado barroco-beat) dos brasileiros graveola e o lixo polifônico, na avenida vasco da gama, a sessão de meditação adensou-se com o quarteto grego apsilies, que elevou o espírito mas fez o público descer literalmente à terra – foram muitos os grupos que assistiram ao concerto sentados no chão do recinto. “efeitos da crise”, houve quem comentasse.

mas foi a sublime compenetração de vishwa mohan bhatt, primeiro aluno de ravi shankar e vencedor de um grammy em 1994, e o grupo cigano the divana ensemble, a lavar a alma ao público, num êxtase cósmico augurado pelo orvalho nocturno que desceu ao recinto.

o projecto desert slide do grupo indiano fundiu a música clássica indiana com folk do rajastão numa sintonia contínua marcada pelo improviso (quem diria), onde não faltou a interacção com o público – o membro gazi barna finalizou o concerto coreografando as palmas do público através de um solo de kartâl (espécie de castanholas).

quando perto da 1h da manhã os sul-africanos nomfusi & the lucky charms subiram ao palco, confirmou-se a habitual enchente da recta final do festival. uma massa de gente à medida das ambições da jovem nomfusi, 25 anos, ar de boneca e jeitos de diva, sem receios de se afirmar como um cruzamento entre miriam makeba – pela segunda noite consecutiva ‘pata pata’ ressoou no castelo medieval – e tina turner.

o público dançou os temas do seu disco kwazibani – soul, motown e tradição africana num só – num concerto onde nomfusi projectou, com um largo sorriso, mais o seu futuro promissor do que as suas raízes um tanto ou quanto trágicas.

os tuba project feat. bob stewart, projecto concebido pelo pianista e compositor romeno lucian bam fechou a noite na praia, embalando o público num free jazz conduzido pela tuba.

hoje, sexta-feira, metade da programação está a cargo de portugueses – do jazz dos l.u.m.e. à pop com influências folk dos lousy guru, passando pelo projecto açoriano o experimentar na m’incomoda. destaque ainda para o canto gutural do trio ayarkhaan, da rússia.

aisha.rahim@sol.pt