o jovem que me escreve tem 19 anos, é aluno do primeiro ano de direito, mas a pergunta, na sua espontaneidade, traduz o sentimento de perplexidade em que se encontra a maioria das pessoas que tentam orientar-se pelos críticos e ajustar o seu gosto pelo deles. antes de lhe deixar aqui uma sugestão que talvez o ajude a ver cinema sem angústia, aproveito o exemplo de um filme em cartaz, que mereceu desde uma desprezível estrelinha dos críticos até às quatro (quase obra-prima). trata-se de mais um filme do prolixo soderbergh, um realizador que, de tanto filmar e produzir (34 títulos em 25 anos, entre cinema e tv), se esquece de pensar.
falar de um filme a propósito de ‘confissões de uma namorada de serviço’ – que eu fui ver, não por ter ainda qualquer ilusão, depois de ter visto che, mas porque eu próprio tinha feito um filme sobre o tema – é ser condescendente. no final, um amigo ao meu lado comentou: «o filme acaba de um modo arbitrário: não tem final». respondi-lhe: o filme não tem final, pela simples razão de que também não tem princípio nem meio; é uma sucessão arbitrária de cenas avulsas, montadas sem qualquer ordem perceptível, frequentemente desfocado e enquadrado (?) de qualquer maneira. parece que está na moda.
ora, eu penso que é preciso voltar às coisas básicas. o que se pede a um filme? antes de mais, que nos conte uma história, «com princípio, meio e fim», como mandava aristóteles, o pai da crítica de cinema. depois disso, o critério para o apreciar é simples: é preciso que, do princípio ao fim, nunca se interrompa aquilo a que coleridge chamou «the suspension of disbelief», isto é, a ilusão de que aquilo a que estamos a assistir se está mesmo a passar, naquele momento, à nossa frente. o que implica duas coisas: nunca nos aborrecermos nem perdermos o fio à meada. tão simples quanto isto.
depois, convém que o filme nos acrescente alguma coisa, que seja uma experiência enriquecedora, que nos abra horizontes, que nos ajude a compreender melhor o mundo, e que, por isso, nos suscite o interesse em conhecer melhor o autor e a sua obra. e os críticos, que papel têm nisto tudo? simples. deixar-se guiar, sem preconceitos, pelos mesmos critérios, ajudar-nos a identificar os bons filmes e a ver mais longe. sem perder de vista que, como dizia éluard, «os artistas dão-nos olhos novos e os críticos óculos para vermos melhor».
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