Porque não se deve privatizar a RTP1

Na passada segunda-feira, os portugueses ouviram o ministro Miguel Relvas reafirmar no Telejornal o propósito do Governo de privatizar a RTP1. Já aqui tive oportunidade de me pronunciar sobre o tema, mas como considero que a existência de um serviço público de rádio e televisão, forte, independente e credível, é um dos pilares da democracia…

primeiro, porque não consta sequer do programa da chamada troika, e deus sabe se as privatizações são uma das receitas das políticas liberais com que os actuais líderes políticos acham que vão ajudar-nos a combater ‘a crise’.

tal como não figura na agenda de nenhum país europeu ou mesmo mundial. com a recessão brutal da economia, a ofensiva dos grandes grupos de comunicação nesta área é hoje mais no sentido de retirar o que resta de publicidade aos canais públicos (os privados estão sem dinheiro, porque dependem da publicidade, e sem consumo não há publicidade que pague os canais comerciais) do que fazer entrar novos actores no negócio da tv generalista.

depois, porque é demagógico dizer que a rtp/rdp sai cara aos portugueses: é das mais baratas da europa e custa por mês menos de 3 euros a cada um de nós. depois, porque seria o colapso financeiro do audiovisual e a invasão definitiva do lixo televisivo. finalmente, porque o serviço público de rádio e tv passaria a ter custos incomportáveis se todo o seu universo deixasse de ser alimentado pela rtp1.

confio, por isso, no bom senso e no patriotismo dos ministros da coligação, para corrigir, como fizeram no curto reinado de durão barroso, o anúncio de medidas para a empresa.

que a rtp/rdp precisa de uma séria reflexão sobre os seus meios e objectivos num cenário que se alterou radicalmente, ninguém discute, e a meta de abril do próximo ano para a introdução da tdt devia acelerar essa reflexão. anuncia-se a criação de um grupo de trabalho, mas espera-se que não seja um grupo homogéneo de yes men cuja ideologia nesta área é bem conhecida. há seguramente economias a fazer na gestão da empresa (que sentido fazem hoje as rtp-açores e madeira, quando os dois canais nacionais já chegam às ilhas? porque não abrir janelas regionais?), mas as economias não podem ser feitas à custa da qualidade da programação nem da independência da informação.

quando acabou o telejornal, começou o último episódio de o último a sair, a extraordinária sátira aos reality shows – um dos pratos fortes das tvs comerciais em portugal. por muitas críticas que se possam fazer à sua programação, o humor tem sido, desde herman josé até bruno nogueira, uma das mais felizes apostas do serviço público. que canal privado poderia caricaturar livremente estes degradantes sub-produtos televisivos sem alienar um formato que lhes garante, em tempos de crise, audiências a baixo custo?

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