Sociedade do risco

Fica a válida crítica de Beck e outros aos riscos contidos numa pós-modernidade pouco humana e pouco solidária.

na segunda metade do século xx a evolução técnico-científica incrementou o bem-estar das sociedades euro-americanas. esta evolução foi contemporânea do aprofundamento de valores sociais, como os direitos da personalidade de segunda e terceira gerações: direito à saúde, à habitação, à educação, a um meio ambiente saudável, etc.

contudo, a vontade de maior bem-estar tem agudizado a competitividade económica. e daqui resultaram ofensas graves aos direitos de personalidade colectivos, de terceira geração, como o direito a um meio ambiente saudável.

alguns dos aspectos negativos desta evolução foram salientados por ulrich beck através da sua obra sociedade do risco, publicada na alemanha, em 1986.

embora com o perigo de trair o pensamento de beck, diria que este sustenta que a sociedade industrial, com as suas desigualdades, injustiças e explorações, deu lugar à sociedade do risco em que a distribuição dos riscos continua a incidir sobre os mais desfavorecidos.

o desenvolvimento da ciência e da técnica coexistem com grande pobreza de massa, crises económicas e religiosas, guerras e catástrofes ecológicas e tecnológicas ao lado de zonas geográficas onde há maiores riqueza e segurança.

nas suas obras seguintes (a reinvenção da política – repensar a modernidade na ordem global social; o que é a globalização? falácias do globalismo, respostas à globalização; a sociedade do risco global; o admirável mundo novo do trabalho), critica, nomeadamente, as pesquisas empíricas por partirem de pressupostos, nomeadamente uma alta estabilidade social, que não se verificam. devendo ultrapassar-se a actual sociologia que está a transformar-se numa loja de antiguidades focada na sociedade industrial.

outros autores contemporâneos como giddens também criticam o crescimento da riqueza económica em confronto com a pobreza generalizada; as catástrofes tecnológicas e ecológicas decorrentes de uma dinâmica económica que só vê o lucro imediato; e a excessiva tecnicização do processo produtivo que é contemporânea do desemprego estrutural mesmo nas economias mais desenvolvidas.

enquanto para marx (e outros) o problema era da distribuição justa da riqueza socialmente produzida, para beck( e outros) o paradigma do risco consiste em como distribuir os riscos resultantes do próprio processo de modernização.

habermas (a nova transparência: a crise do estado de bem-estar social e o esgotamento das energias utópicas) também critica a pós-modernidade e os seus ideólogos: são apontados correntemente a técnica e o planeamento racional como instrumentos seguros do controlo dos riscos da sociedade e da natureza. mas a maior complexidade dos sistemas leva a maiores probabilidades de efeitos colaterais disfuncionais.

a própria força produtiva converte-se em força destrutiva e o planeamento em factor desagregador: transformando-se a racionalidade em irracionalidade.

há que fugir, para haver consenso nesta matéria, a uma análise linear e evolucionista, em termos de equação linear com todos os factores conhecidos.

beck chega mesmo a apresentar as sociedades ‘não-ocidentais’ como modelos do que serão as sociedades ‘ocidentais’, pelo menos em muitos aspectos negativos: desregulação, perda de legitimidade do estado, predomínio das sociedades multinacionais, aumento do desemprego e da violência, etc.

beck afirma a ‘brasilianização’ da europa. mas num momento em que o brasil visa eliminar a pobreza, legitimar o poder democrático, garantir os direitos da personalidade mesmo de terceira geração, há que procurar outro exemplo.

também aqui não podemos cair em apreciações superficiais.

fica a muito válida crítica de beck e outros, entre os quais alguns portugueses, aos riscos contidos numa pós-modernidade pouco humana e pouco solidária.

a resposta a estes perigos bem concretos e bem reais tem sido encontrada em diversas visões transformadoras da sociedade. desde logo, a perspectiva marxista com representantes significativos nomeadamente em portugal e no brasil. mas também na visão da economia solidária que propõe a substituição da maximização do lucro a todo o custo por uma política dirigida ao crescimento sustentável, ao financiamento responsável e á protecção do meio ambiente. neste contexto gostaria de salientar uma nova visão, para mim muito importante, da função social do privado e dos direitos dos trabalhadores como membros integrantes da empresa onde se integram. e não como meros agregados dispensáveis.